Acórdão nº 873/09.1TTVCT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2014
Magistrado Responsável | LEONES DANTAS |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA intentou a presente acção declarativa com processo comum contra: BB VIANA – EMPRESA PRODUTORA de PAPÉIS INDUSTRIAIS, S.A., pedindo: A) - A condenação da R. a pagar-lhe: a) - um complemento mensal de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 23/11/2008, no montante mensal de € 454,29, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na R.; b) - a quantia de € 4.997,19, a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na R.; c) - no mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento, incluindo os já vencidos; d) - juros de mora sob de estas quantias, vencidos e vincendos, até integral pagamento; B) – A condenação da R. a reconhecer o direito aos pagamentos supra referidos; C) – a condenação da R. a pagar a quantia de € 200,00, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações, sendo € 100,00 para o A. e outro tanto para o Estado.
Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que exerceu, desde 2/1/84, a sua actividade profissional para a R. e as sociedades que a antecederam; que, em 23/11/2008, passou à situação de reformado por invalidez; por força do disposto no AE e do Regulamento das Regalias Sociais que dele decorre, tem direito a um complemento de reforma; que a R. não tem assegurado o pagamento desse complemento, com a justificação de que procedeu a uma alteração ao Plano de Pensões em 13/7/07; que esse complemento de reforma fazia parte integrante do seu contrato de trabalho e, como tal, não podia ser alterado sem o seu acordo.
A R. “BB” apresentou contestação, na qual alegou, para além do mais, que «quem está obrigado a proceder ao pagamento daquele complemento de reforma é a sociedade «CC PENSÕES - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE PENSÕES, S.A.» cuja intervenção principal provocada requereu, tendo requerido igualmente a intervenção acessória provocada de ISP - INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL, intervenções que foram admitidas.
Tendo o A. falecido na pendência da acção, foram habilitados como seus herdeiros: DD, EE e FF.
A acção prosseguiu seus termos, vindo a ser decidida por sentença de 19 de Janeiro de 2012, cujo dispositivo é o seguinte teor: «Assim, e face a tudo o exposto, decide-se: Absolver o interveniente “CC Pensões” dos pedidos contra si formulados; Condenar a R. “BB”, absolvendo-a de tudo o restante peticionado, a reconhecer o direito do A. a receber: - um complemento mensal da pensão de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 23/11/2008, no montante mensal de € 454,29, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor nesta R.; - a quantia de € 4.997,19 a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos e dos que entretanto se venceram, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na mesma R.; - no mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento.
Custas pela R. “BB».
Inconformada com esta decisão, dela vem a Ré BB VIANA – EMPRESA PRODUTORA de PAPÉIS INDUSTRIAIS, S.A., agora denominada, GG VIANA, SA, interpor recurso de revista, per saltum, para este Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «
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Pretende a Recorrente com o presente recurso ver revogada a douta decisão recorrida, sendo proferido douto Acórdão que absolva a Recorrente dos pedidos formulados pelo Recorrido.
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Por se encontrarem preenchidos os pressupostos legais enunciados no artigo 725° do C.P.C., aprovado pelo Dec. Lei 44129, de 28 de Dezembro de 1961, na sua redacção em vigor à data da prolação da sentença recorrida (cujos termos, são, aliás, reproduzidos no artigo 678° do C.P.C. aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de Junho), porquanto, o valor da causa é superior à alçada do Tribunal da Relação, (sendo este o valor a considerar, uma vez que o valor da sucumbência não é, facilmente, determinável (n° 1 do art.º 678° do "velho" CPC, reproduzido, nos seus termos, pelo n° 1 do art.º 629° do "novo" C.P.C.) não pretendendo a Recorrente discutir a matéria de facto, suscitando, apenas, questões de direito, não pretendendo, finalmente, ver reapreciadas quaisquer questões interlocutórias, requer, seja este admitido na modalidade de RECURSO PER SALTUM para o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, C) Como bem define a douta sentença recorrida "A questão a decidir na presente acção é, de forma singela, a seguinte: saber se o complemento de reforma a que o A. tem direito é aquele que decorre do contrato constitutivo do Fundo de Pensões que vigorava na 1.ª R., ou se, pelo contrário, esse direito é aquele que decorre das alterações a esse contrato assinadas em 13/7/07 e referidas no ponto 9) da matéria de facto provada." D) Considerou a douta decisão recorrida inaplicável ao contrato de trabalho com o Recorrido o Plano de Pensões resultante da alteração do título constitutivo do Fundo de Pensões verificado em 13/07/2007 e suficientemente tratado nos autos.
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Funda o seu douto entendimento, por um lado, no recurso à teoria de "incorporação" dos direitos resultantes da negociação colectiva nos contratos individuais de trabalho, sustentado, tal incorporação, na recusa do que entende ser a distinção entre a relação colectiva e a "relação individual de trabalho, quer por uma ter consequências na outra, quer por a regulamentação internada empresa ter de ser integrada na relação laboral de cada trabalhador.
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Pretende, finalmente, a douta decisão recorrida, configurar as condições do regulamento de regalias sociais, como um elemento fundamental na formação da vontade, não só de contratar, mas de manter a relação do trabalho pelo trabalhador, constituindo, assim, uma proposta irrevogável da empresa, que a vincula perante cada trabalhador, não podendo ser alterada.
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Desta decisão constitui pressuposto a convicção de que o direito ao complemento de reforma, nos termos definidos no plano descrito na douta p.i., teria passado a integrar o contrato de trabalho do recorrido, sendo, as suas expectativas reforçadas em 2004, com a publicação do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões.
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Como dizem Bernardo Lobo Xavier, Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, in "Pensões Complementares de Reforma - Inconstitucionalidade" (pág 159) "as normas da organização, previsão e maturação de benefícios complementares pensionísticos não pertencem ao estatuto do contrato individual", tendo, apenas, a característica vulgarmente designada por "regalia", a qual não tem essência retributiva, não se prendendo, sinalagmaticamente a quaisquer obrigações dos trabalhadores e, por isso, não assumindo, necessariamente, carácter contratual laboral, apesar de terem, com o contrato individual de trabalho ligações relevantes, não o integram, não sendo sustentável a criação de um sistema complementar de segurança social por mera contratação individual.
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Como escreve Tursi (in "Il regime giuridico delle prestazíoni di provindenza complemantare, pág. 1743 (22 parecer) "a prestação de previdência complementar, na verdade, é funcionalmente autónoma da relação de trabalho, substituindo à "correspectividade contratual-laboral" uma outra, "contratual previdencial", entre contribuição e prestação", negocial, não laboral (e, a fortiori, não retributiva), concluindo o mesmo autor que "devem ter-se, em princípio, como não reportáveis às obrigações que tenham por objecto a prestação de providência complementar, as normas que disciplinam a obrigação retributiva." d) Não é assim, admissível, atenta a natureza das prestações em causa na regalia do complemento de reforma, defender-se que esta integra um contrato individual de trabalho, (no caso em apreço o do Recorrido), não só por tal se revelar, desde logo, estranho ao núcleo essencial do sinalagma de tal contrato, mas, também, por tal constituir a única forma de prescrever a autonomia respectiva de vínculos totalmente distintos e reveladores de fortes assimetrias no seu desenvolvimento.
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A criação de um mecanismo de segurança social complementar - que deve respeitar as exigências legais interactivas, nomeadamente a criação de um fundo de pensões, isto é, de um património autónomo estranho à empresa e afecto a realização de um plano de pensões - por via contratual, estará, assim, limitada à convenção colectiva, sendo inadmissível por contratação individual, por, manifestamente, não poder, atenta a sua natureza, integrar um contrato de trabalho.
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A admissibilidade de estabelecimento desse mecanismo complementar por convenção colectiva, deve, mesmo assim, considerar-se limitada ao estabelecimento dos princípios do mecanismo, não sendo tolerável que o conteúdo concreto do plano de pensões não seja deixado à disponibilidade da empresa, enquanto outorgante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões, que os trabalhadores, ou os seus representantes, não integram.
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Admitir a integração, no contrato individual de trabalho do Recorrido, de um direito a um concreto plano de pensões, como aquele pretende, seria subverter a posição da empresa na contratação desse plano e na contribuição do Fundo de Pensões, facilmente daí decorrendo - como necessariamente teria decorrido - a insolvência desse mesmo património autónomo.
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A Recorrente não promoveu a alteração do plano de pensões por qualquer capricho, mas apenas por que tal lhe era exigido para assegurar, como pensa ter feito, a sobrevivência desse património e, desse modo, a satisfação das expectativas, dos trabalhadores, embora estes não sejam, no momento...
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