Acórdão nº 4094/07.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução10 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA, S.A." intentou acção declarativa, na forma ordinária, contra "BB Lda", fundada em alegado incumprimento contratual, pedindo a condenação desta a pagar-lhe as seguintes quantias: - € 274.000,00, relativa a indemnização por danos causados "pela violação positiva do contrato"; - € 114.000,00, relativa a indemnização por danos causados pela cessação ilícita do contrato; - juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a citação e até integral pagamento.

Para tanto, alega, em síntese, que foi celebrado entre as partes, em 11.4.2005, um contrato denominado "Contrato Principal de Transporte e de Prestação de Serviços Adicionais", nos termos do qual os serviços de transporte de bens adquiridos eram solicitados directamente pelos clientes da ré à autora, facturando aquela uma percentagem de 6% sobre a facturação mensal desta; o contrato vigoraria pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos, mediante acordo escrito das partes.

Para iniciar a sua actividade, a autora fez investimentos, sendo o investimento inicial para montar a operação que permitia a execução do contrato computado em €355.223,51, esperando-se, em função dos estudos preliminares, uma facturação anual de dois milhões de euros, havendo expectativas em obter uma margem de lucro bruta de 15% (300 mil euros), pelo que a operação só seria economicamente rentável no segundo ano, o que a ré sabia.

A autora cumpriu integralmente o contrato, mas a ré impôs-lhe modificações que configuram incumprimento; na verdade, devido à subida da taxa de IVA, em Junho 2005, para 21%, a ré exigiu à autora que não cobrasse aos seus clientes o aumento correspondente, exigência que representou para a autora uma perda significativa de receita; por outro lado, até Setembro de 2005 as mercadorias a transportar ficavam armazenadas num armazém disponibilizado pela ré nas suas instalações, sendo esta ressarcida pela cedência desse espaço através da referida comissão de 6%; em Setembro daquele ano, a ré comunicou à autora que o espaço não estava licenciado para armazém, o que originou uma ordem de encerramento, assim forçando a autora a arranjar um armazém, com os inerentes custos, que se cifravam em mais de 20 mil euros mensais; perante os novos custos, a autora contactou a ré para ser deles ressarcida, pois os mesmos tornavam o contrato economicamente inviável; a ré reconheceu a responsabilidade pelo desequilíbrio e anuiu em compensar a autora com 16 mil euros, em aumentar os preços a cobrar pelos serviços de transporte em 3% e atribuiu à autora o transporte das mercadorias que não existem na loja e que são escolhidas por catálogo, compensação que se revelou insuficiente.

Mais alega a autora que, aproximando-se o final do primeiro ano de contrato, houve conversas informais sobre a sua renovação, mas até ao final desse período não houve renovação escrita; não tendo havido manifestação de vontade no sentido da não renovação, nem manifestação de qualquer insatisfação por parte da ré, a autora continuou a exercer a sua actividade tal como exercera até então, mesmo depois de decorrido o primeiro ano do contrato, pelo que a autora interpretou tal situação como significando que a ré quisera renovar o contrato anterior, que se mantinha nos mesmos termos e condições; porém, em Junho/Julho de 2006 a ré abriu um concurso para escolher um transportador e montador e pediu à autora que concorresse (continuando, contudo, a autora a prestar os serviços que vinha prestando); em 6 de Setembro de 2006 a ré comunicou à autora a cessação do contrato, por denúncia, para produzir efeitos a partir de 30 de Novembro de 2006.

No que respeita aos danos sofridos, refere a A. que , por causa da não repercussão do aumento do IVA no preço do serviço, teve um prejuízo de 34 mil euros (17 meses a cerca de 2 mil euros/mês). Com a deslocalização do armazém teve um prejuízo de 240 mil euros (20 mil euros mês x 12 meses), representando esses custos a quase inexistência de lucro, já que o lucro anual obtido - 36 mil euros - representa apenas 2,3% da facturação, ao invés dos esperados 15%. Por outro lado, à data da cessação do contrato a facturação média mensal da autora era de aproximadamente 160 mil euros, quando, sem os custos já mencionados, à facturação deveria corresponder uma taxa de lucro de 15%, devendo a ré indemnizar a autora pela cessação do contrato , por referência à perda de lucro que existiria se não se verificassem os custos acrescidos que impôs à autora, o que equivale ao valor de 24 mil euros mensais (ou seja 15% sobre o valor da facturação de 160 mil euros), durante o período que medeia entre 18 de Novembro de 2006 (data em que a autora deixou de prestar serviços) e 10 de Abril de 2007 (data do termo do contrato), o que perfaz 114 mil euros.

Alega, finalmente, que tendo continuado a prestar os seus serviços à ré, após o decurso do prazo inicial de um ano, tal como o fazia antes, deve entender-se que há uma declaração negocial tácita de renovação do contrato (ou a formação de novo contrato com as mesmas características), pelo que o contrato se renovou até 10 de Abril de 2007. Mas, mesmo que se entenda que o contrato não se renovou, então formou-se um novo contrato com base em declarações tácitas e com o conteúdo do anterior, ficando as partes vinculadas até 10 de Abril de 2007.

Contestou a Ré, por impugnação, aduzindo, em síntese que, como o contrato tinha o prazo de um ano, nada justificaria a tutela de qualquer expectativa na sua renovação, uma vez que esta dependia de requisitos de forma; por outro lado, a autora não estava compelida a fazer investimentos e os que fizesse deveriam sê-lo por referência à duração do contrato - um ano - estando, ademais, consciente que determinados investimentos implicariam um período de amortização mais longo; parte dos investimentos invocados pela autora foram feitos depois do final da vigência do contrato (10 de Abril de 2006); é falso que a ré tenha compelido a autora a suportar o aumento do IVA, sendo a decisão da sua responsabilidade; e, quanto ao armazém, não estava contratualmente garantida a disponibilidade por parte da ré de qualquer armazém para a autora proceder ao armazenamento dos produtos, sendo este da incumbência da autora, conforme decorre do contrato; a ré tolerou, nos primeiros meses do contrato, que a autora armazenasse algumas mercadorias no espaço do armazém de trânsito do seu estabelecimento e para que a autora procedesse à transição das mercadorias para as viaturas que as transportavam para os seus próprios armazéns; aquela tolerância tomou-se insustentável face ao volume de mercadoria que se acumulava, ocupando lugares destinados ao estacionamento por parte dos clientes, pelo que, os custos que a autora teve com o armazém não constituem desequilíbrio contratual, mas investimentos expectáveis necessários à execução do contrato; o contrato inicial, porque não foi renovado, caducou e, continuando a autora a prestar serviços, formou-se novo contrato, mas autónomo do anterior, e que podia ser rescindo por qualquer das partes a todo o tempo.

Alega ainda a ré que a autora, em Maio de 2006, declarou que apenas continuaria a prestar os serviços se fosse também adicionada a montagem, o que demonstra que a autora tinha consciência da caducidade do contrato e, perante aquele ultimato da autora, a ré acedeu em promover um processo de concurso para celebração de novo contrato, não tendo a autora -que concorreu - sido a empresa escolhida, o que, como sabe a autora, implicava que não continuasse a fazer o transporte dos produtos comprados à ré.

A autora replicou.

Realizada audiência final, foi proferida sentença do seguinte teor: Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a acção e, em consequência: - Condena-se a Ré a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, com o limite de €114.000,00, correspondente ao valor dos lucros cessantes que a ré deixou de auferir por via da cessação ilícita do contrato, no período entre 18 de Novembro de 2006 e 10 de Abril de 2007, quantia acrescida de juros vencidos desde 29.7.2007 e vincendos, à taxa legal de 4%.

- No mais absolve-se a ré do pedido.

  1. Inconformada , apelou a R., tendo a Relação começado por fixar a seguinte matéria de facto, após dirimir a impugnação deduzida contra a matéria de facto tida por apurada na 1ªinstância:: 1 - AA, S.A., aqui Autora, tem por objecto social o transporte público ocasional de mercadorias (conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial de Vila Franca de Xira, que é fls. 46 a 53 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida), (alínea A) 2 - BB, Lda., aqui Ré, tem por actividade a comercialização de mobiliário para o lar. (alínea B) 3 - A Ré representa em Portugal a BB, empresa multinacional do ramo do mobiliário e artigos para o lar, de grande renome, e geradora de enormes volumes de negócios à escala global, (alínea C) 4 - Nos termos constantes do sítio da Internet que a Ré mantém, com o endereço http://www.BB.com/ms/pt_PT/local_home/alfragide.htmi, «o conceito de negócio da BB é oferecer uma gama ampla de mobiliário e artigos para o lar, funcionais, com design e a preços acessíveis para a maioria das pessoas».(alínea D) 5- Os preços baixos são, pois, um dos principais elementos em que se funda o modelo de negócio da Ré, a qual (continuando a citar o sítio da Internet referido na alínea anterior), explica como consegue vender os seus produtos a um preço acessível, recorrendo, para isso, à colaboração do cliente, nos seguintes termos: «Depois, é você que tem que fazer a sua parte. Vendo o catálogo BB e visitando a loja, escolhe os seus móveis, e em seguida você mesmo os vais buscar ao Self Service. Como a maioria dos artigos vêm em embalagens planas, pode transportá-los facilmente até sua casa. Também pode montá-losvocê mesmo. Isto significa que não incluímos no preço o trabalho que você mesmo pode fazer, sem grande esforço. E assim, juntos, poupamos...

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