Acórdão nº 1387/11.5TBBCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução10 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Nesta acção de condenação, com a forma ordinária, que BB, L.

da" intentou contra o "BANCO AA (Portugal), S.A, a autora alegou, em síntese, que, no 1º semestre de 2008, celebrou com a ré um contrato de locação financeira imobiliária que teve por objecto um pavilhão industrial e que, na sequência da celebração desse contrato, um responsável da dependência de Braga do réu incentivou a autora a celebrar um outro contrato, com vista a fixar a taxa de juro dentro de determinados limites/barreiras, pois a prestação paga pela autora no contrato de locação financeira estava indexada à taxa Euribor e temia-se que essa taxa continuasse a subir. Aquele responsável referiu à autora que no contrato de taxa de juro que lhe pretendia propor fixava-se um limite da taxa de juro dentro da qual a autora apenas pagava a taxa de juro prevista no contrato, ou seja 4,55%, sendo que, se essa taxa aumentasse até ao limite de 5,15%, a autora pagaria sempre aquela taxa inicial de 4,55% e, caso a taxa de juro ultrapassasse aquele limite, a autora teria que pagar a taxa de juro correspondente, perdendo todo e qualquer benefício. Nesse caso, o réu poderia fazer cessar o contrato.

Correspondentemente, caso a taxa de juro descesse até aos 3,95%, a autora continuaria a pagar a taxa de 4,55%, retirando daí o réu um benefício de 0,60% e, caso a taxa de juro descesse abaixo dos 3,95%, a autora teria então também o direito de fazer cessar de imediato o contrato, por forma a pagar a taxa de juro real e efectiva. Com esta explicação do réu, a autora ficou convencida que o réu podia denunciar o contrato a partir da taxa de juro dos 5,15% e a autora, por sua vez, também o poderia fazer a partir dos 3,95%, e só por isso aceitou celebrar com o réu o referido contrato, o que aconteceu em 8/08/2008.

Acresce que o contrato em causa foi apresentado à autora, antecipadamente redigido pelo réu, com as condições que o réu aí pretendeu colocar. A autora apenas se limitou a assinar, nada lhe tendo sido lido, nem explicado. O legal representante da autora é pessoa muito simples, que tem apenas a instrução básica e nunca tinha contratado qualquer operação bancária especial ou complexa, sendo certo que nunca a autora se apercebeu que o contrato que assinava poderia acarretar qualquer risco e, consequentemente, a perda de valores significativos.

Acontece que, a partir do mês de Janeiro de 2009, a taxa de juro começou a descer a um ritmo acelerado, ultrapassando o limite de 3,95% e, em 29/06/2009, o réu debitou à autora o total de € 6.660,63. Nessa altura, a autora comunicou ao réu que pretendia de imediato pôr fim ao contrato, tendo o réu esclarecido que para o fazer teria de pagar um valor superior a € 50.000.

Mais alega a autora que a crise económica e financeira, que se instalou a partir de 15/09/2008, fez descer de forma acentuada as taxas de juro, pelo que o contrato celebrado sofreu um grande e repentino desequilíbrio, sendo certo que as circunstâncias que despoletaram a descrita crise financeira e económica não eram de modo algum previsíveis e, por isso, não podiam estar cobertas pelos riscos próprios do contrato.

Assim, a referida alteração anormal das circunstâncias permitirá sempre à autora pedir a resolução do contrato de taxa de juro em discussão nestes autos.

Com estes fundamentos, a autora pede que (i) se declare nulo e de nenhum efeito o contrato objecto desta acção, condenando-se o réu a restituir a quantia de € 44.709,38, acrescida dos juros de mora que se vencerem a partir da citação.

Caso assim não se entenda, (ii) que se anule o contrato de SWAP de taxa de juro por erro na transmissão da declaração e erro sobre o objecto do negócio ou, caso assim não se entenda, (iii) que se declare resolvido o contrato por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e, em qualquer um dos casos, ordenando-se a restituição à autora da quantia de € 44.709,38, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

O réu contestou, alegando que a celebração do contrato foi precedida de vários contactos entre autora e réu, com inúmeras trocas de correspondência e uma reunião onde foram explicadas à autora as vantagens e desvantagens da cobertura da taxa de juro, com a proposta de várias soluções. Acresce que o legal representante da autora sempre se fez acompanhar de alguém que se apresentava como assessor para estas matérias. Mais alega que o contrato de SWAP em questão cobre, nos seus precisos termos, o risco de variação de taxa de juro, mas não defende a autora de qualquer variação da taxa de juro, pelo que a ré impugna tudo o que a autora alega em contrário, defendendo que nunca fez crer à autora que esta poderia denunciar o contrato a partir dos 3,95%. Mais defende o réu que, atenta a natureza do contrato de SWAP, o risco de alteração das taxas de juro não pode ser excluído do contrato, razão pela qual deve improceder o pedido de resolução por alteração das circunstâncias. Mais alega que a autora aceitou as consequências benéficas do contrato que agora pretende declarar nulo, pelo que a sua conduta excede os limites impostos pela boa - fé e pelos bons costumes, representando um grosseiro exercício do direito na modalidade de venire contra factum proprium.

A ré conclui pela improcedência da acção e pede a sua absolvição do pedido.

Os autos prosseguiram e, após julgamento, veio a ser proferida sentença que, com fundamento na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, julgou a ação procedente e, em consequência, declarou a resolução do contrato de SWAP de taxa de juro com barreira celebrado pelas partes, condenando o réu a restituir à autora a quantia de € 44.709, 38 acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a citação até efectivo cumprimento.

Inconformado, apelou o réu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 8/03/2012, na improcedência da apelação, confirmou, por unanimidade, a sentença recorrida.

Do acórdão que assim decidiu interpôs o réu recurso de revista excepcional, invocando como pressuposto de admissibilidade o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, porquanto a realidade jurídica normativa reveste, em seu entender, no caso sub judice, manifesta dificuldade e complexidade e reclama aturado estudo e reflexão, porque se trata de questão nova que à partida se revela susceptível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, susceptíveis de conduzir a decisões contraditórias.

A “Formação” admitiu a revista excepcional com o aludido fundamento, remetendo os autos à distribuição.

O réu finalizou as suas doutas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª – A repercussão da crise na “base” e “essência” do contrato de SWAP deve ser entendida com a maior das cautelas; sendo essa base (variação da taxa de juro), pela sua própria natureza, marcadamente aleatória, o facto de ela vir a pender para uma das partes não permite que a outra venha sustentar que se tivesse previsto a alteração – in casu a descida da taxa de juro – não teria celebrado o contrato. Pois, como é evidente, qualquer “apostador” que soubesse de antemão o resultado da “aposta”, só viria a apostar caso esse resultado lhe fosse favorável.

  1. – O SWAP de taxa de juro é um tipo contratual marcadamente aleatório, pois “o principal elemento recorrente e caracterizante do contrato de SWAP é constituído pelo facto de que a obrigação de cada uma das partes de efectuar a prestação devida à outra surge, ou, pelo menos, torna-se actual e exigível somente pela verificação de certos acontecimentos – a subida ou descida da cotação de uma moeda em relação à outra, ou a alta ou baixa do nível de uma taxa variável. Ao verificar-se tal acontecimento, a obrigação surgirá a cargo de uma ou de outra parte. (…) A aleatoriedade distingue então o contrato em causa uma vez que a realização da prestação principal por uma ou outra das partes, bem como a determinação do seu montante dependem da verificação de um acontecimento incerto e de modo nenhum influenciável pelas partes”.

  2. – As especificidades que a natureza aleatória do contrato de SWAP convoca não foram consideradas pelo Tribunal a quo, porquanto, se o tivessem sido, o mesmo nunca teria julgado procedente o pedido de resolução do contrato com base no instituto da alteração das circunstâncias.

  3. – E não o teria feito porque “a principal consequência da classificação do contrato de SWAP na categoria dos contratos aleatórios é a não aplicação do regime do artigo 437º do Código Civil sobre a resolução com base na alteração das circunstâncias, em face de uma inesperada e grave evolução, para uma ou outra das partes, das taxas (…) adoptadas como referentes do contrato de SWAP celebrado”.

  4. – O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, designadamente por incorrecta qualificação do contrato dos autos, de que veio a resultar a desconsideração de uma norma jurídica cuja aplicação ao caso sub judice se impunha – o artigo 434º, n.º 2 do Código Civil.

  5. – O Tribunal a quo fez assentar o juízo de qualificação do contrato de SWAP dos autos como contrato de execução periódica numa definição meramente genérica de SWAP, a qual não tem qualquer correspondência com o contrato a qualificar.

  6. – Os pagamentos devidos por força do contrato de SWAP dos autos têm natureza periódica.

  7. – O contrato de SWAP dos autos é um contrato de execução periódica, pelo que o artigo 434º, n.º 2 do Código Civil é aplicável à sua resolução por alteração das circunstâncias.

  8. – A questão que se coloca é, portanto, a de saber se, ao abrigo do contrato de SWAP dos autos, foram realizadas prestações relativamente às quais a alteração das circunstâncias – verbi gratia a descrição da acentuada baixa das taxas de juro, dado que o conceito de crise não é, naturalmente, um conceito operativo, torna...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
7 temas prácticos
7 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT