Acórdão nº 217/1997.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução03 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e BB intentaram contra CC e DD acção declarativa com processo ordinário pedindo que os RR sejam condenados a reconhecer que: Os AA são donos do prédio descrito no art. 1º da pi com a área de 0,6840 ha; Este prédio e o prédio adquirido pelos RR descrito no art. 4º deste articulado se situam na mesma área da Reserva Agrícola Nacional e são confinantes entre si; Assim, têm direito de preferência na venda do prédio que foi feita a favor dos RR; Os donos vendedores do prédio reconhecerem esse direito aos AA e prometeram vender-lhes o prédio pelo preço de 95.000.000$00 do qual o A pagou a quantia de Esc. 50.000.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento.

Posteriormente, sem notificação prévia ao A, os promitentes vendedores venderam o prédio aos RR pelo preço de 95.000.000$00 e rescindiram o contrato promessa firmado com o A.

Em consequência e por substituição dos RR adquirentes deve ser adjudicado aos AA pelo preço de 95.000.000$00, que oportunamente depositarão, o prédio que àqueles foi vendido, com preterição do direito de preferência dos AA.

Citados contestaram os RR. nos termos de fls. 59 e segs., excepcionando a sua ilegitimidade por não terem sido demandados os vendedores e bem assim que destinaram o prédio à construção e impugnaram a factualidade alegada pelos AA., concluindo pela improcedência da acção.

Na sequência da contestação os AA. vieram deduzir incidente de intervenção principal provocada como associados dos RR., dos vendedores do imóvel em causa tendo, pela decisão de fls. 225, sido admitidos a intervir nessa qualidade, os chamados: EE e mulher FF; GG; HH; II e mulher JJ; KK e LL.

Citados os chamados, não foi apresentada qualquer contestação.

Foi proferido o despacho saneador e seleccionados os factos assentes e controvertidos, com a organização da base instrutória, sem reclamação.

Face ao óbito do R. CC foi requerida a habilitação dos seus herdeiros, tendo pela decisão de fls. 441, sido julgados habilitados para em seu lugar e nessa qualidade prosseguirem na presente acção, DD, MM, NN e OO.

Por sua vez na sequência do óbito da A. BB, foram julgados habilitados, pela sentença proferida a fls. 40 do apenso A destes autos, para prosseguirem em seu lugar na causa, os seus herdeiros, o A., seu viúvo, e bem assim os seus filhos PP e QQ.

Realizada a audiência de julgamento, o tribunal respondeu à matéria de facto pela forma constante de fls. 613/615 sem reclamação.

Foi, em seguida, proferida a sentença de fls. 637 e segs. que decidiu nos seguintes termos: “Julga-se a acção parcialmente procedente e a defesa por excepção peremptória inominada procedente, porque provada, e em consequência: a) – Reconhece-se que os AA. são donos do prédio descrito no artº 1º da petição inicial, com a área de 0,6840 ha; b) – Reconhece-se que este prédio e o prédio adquirido pelos RR. se situam na mesma área da Reserva Agrícola Nacional e são confinantes entre si; c) – Reconhece-se que, posteriormente, sem notificação prévia ao A., os promitentes-vendedores venderam o prédio aos RR. CC e DD, pelo preço de Esc. 95.000.000$00, tendo EE rescindido o contrato-promessa outorgado com o A.

d) – Absolve-se os RR dos demais pedidos”.

Inconformados, apelaram os AA. para o Tribunal da Relação de Évora que, pelo Acórdão inserido a fls. 797 a 820 , confirmou a sentença da 1ª instância.

Novamente inconformados os AA interpuseram o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal.

Nas suas alegações de recurso os AA formulam as seguintes conclusões: I. A questão em discussão nos presentes autos, vinda da 1ª Instância, é, como diz a Relação, no seu douto Acórdão, saber se assiste aos AA. o direito de preferência invocado II. Os AA provaram a existência dos requisitos necessários ao reconhecimento pelo Tribunal dessa sua preferência (propriedade do prédio confinante, sua área, natureza agrícola de ambos os prédios por integrarem a RAN; pelo que provaram na totalidade os factos constitutivos do direito de preferência que invocaram, cuja prova lhes competia.

III. A douta decisão recorrida entende que os AA não podem exercer a preferência por serem donos ainda de outros prédios para lá do matrizado sob o art. 19^ AS (no caso, os matrizados sob os artigos 90, 94 e 95); pois a área global destes prédios é superior à da unidade de cultura. Logo, não haveria por esse motivo lugar a uma eliminação de um minifúndio.

IV. Ora, a lei não impõe que a preferência só possa exercer-se, exclusivamente, como meio de eliminar a natureza de minifúndio de um prédio rústico; sendo o escopo fundamental da lei mesmo da constitucional, a de combater a fragmentação fundiária.

V. Não pode ser levada em linha de conta para a decisão da preferência o facto de o preferente possuir no local outros 3 prédios, que em conjunto com o que tem área inferior à da unidade de cultura, somam 24.088 m2. A preferência nunca originaria um latifúndio. A conclusão e leitura contrárias são contra o disposto nos artigos 1380^ e 1382^ do C. Civil, e no DL 384/88 de 25/10, notadamente do seu art. 189, e contra os art. 414 a 416 do CC.

VI. Além disso, a preferência não contende em nada com as regras constitucionais, antes as respeita e cumpre, ao evitar a fragmentação fundiária. Eliminaria a inferioridade de área face à área mínima da unidade de cultura do prédio em causa - o art. 19 -; e não resulta da matéria alegada, nem da provada, que, por haver prédios dos AA que lhe são contíguos, se formaria um latifúndio. Não cabe no espírito da lei averiguar se, em caso de preferência, algum dos proprietários é rico ou pobre, se tem outros prédios ou unidades de cultura ou não. Cura a lei, a nosso ver, tão somente de propiciar a redução do número de prédios com áreas inferiores às da unidade de cultura, e de viabilizar a constituição de unidades agrícolas contrárias à fragmentação fundiária, dentro da política agrícola e dos seus objectivos; pontos sobre os quais a decisão da Relação é, aliás, omissa, carecendo popr isso ,nessa parte , a decisão da sua necessária fundamentação.

VII. Mais: os Factos Provados não revelam se os prédios rústicos inscritos sob os art. 90, 94 e 95 da Secção AS, estão integrados na RAN, como os dois que estão aqui em discussão (o vendido e o confinante). O conceito de prédio rústico está suficientemente plasmado no art. 204 nQ 2, do C. Civil: uma parte delimitada do solo. E a delimitação é feita exactamente pela numeração matricial, por artigos. É, por isso, o prédio rústico em causa, aquele prédio rústico art. 19^ e não outro ou outros, o que interessa à solução da causa. Daí que a alegação à existência de aqueles outros 3 prédios na propriedade dos AA, se tenha que ter aqui por irrelevante para a questão da preferência.

VIII. Ao não reconhecer aos AA. o direito de preferência que invocaram, estando porém os requisitos legais preenchidos, a decisão recorrida violou a estatuído nos art. 189 do DL 3S4/S8, de 25 de Outubro, os art. 4149 e seguintes do CC, e ainda o art. 1380^ do C. Civil, ocorrendo assim violação da lei substantiva, violação que deve ser reparada.

IX. O douto Acórdão recorrido consigna que teriam os RR. cumprido a prova de que o terreno adquirido se destinava a construção. Todavia, o que os Factos Provados concluem foi que "na escrituro consta que o prédio se destina a construção"; e que os RR pretendiam construir um empreendimento numa área de 3.000m2 (em N) de Factos Provados), sem mais qualquer detalhe ou pormenor de dados.

X. Ora, o prédio alienado é rústico e integra a RAN. por decisão administrativa de entidade competente; e tem uma área de 67.720 m2. A escritura de compra e venda é um documento elaborado pelas partes, sem que as menções que estas ali entendam colocar tenha a virtude de alterar a decisão administrativa de classificação de um terreno como integrante da RAN.

XI. Dos 67.720 m2 do prédio rústico integrado na RAN, apenas uma área de 3000m2 se deu por provado encontrar numa área de zona turística de expansão; mas sem prova de que ali fosse possível a construção (podem, por exemplo, vir ser destinados a zonas verdes, a ajardinamentos, etc). A natureza rústica e a finalidade agrícola do prédio não se alteraram; ele nunca deixou de fazer parte da Reserva Agrícola Nacional, dada a natureza dos seus solos.

XII, Não poderia a Relação dizer que não cabe nesta sede cuidar de saber se aquela declarada provada possibilidade viola ou não quaisquer normas reguladoras da Reserva Agrícola.

Ocorrendo violação de lei substantiva, sempre há que saber se se podia ou pode alterar, sem mais, a finalidade de um terreno incluído na Reserva Agrícola Nacional, por mera declaração de particular aposta em escritura; pelo que cabia aos RR provar não apenas que era sua intenção, contemporânea da aquisição, mudar o fim agrícola do prédio; mas também que tal mudança era legalmente possível, e que com isso não ofendiam normas da Reserva Agrícola. O que os RR não fizeram.

XIII. Cabia efectivamente à Relação, na sua decisão, curar de saber se a provada intenção dos RR ofendia ou não as disposições da RAN. O que não foi feito, não obstante saber-se que o terreno em causa, na sua integralidade matricial e enquanto prédio delimitado no solo, nunca viu alterada a sua finalidade agrícola. Só com tal alteração provada, a excepção peremptória procederia; e, assim, deve ela ser dada por improcedente. Pois que XIV. não é legalmente possível a construção no prédio alienado. Este insere-se em espaço agrícola, fazendo parte da Reserva Agrícola Nacional (RAN). A legislação é clara: de entre as normas legais que criam um regime específico sobre a utilização para certos tipos ou categorias de solo, regem, entre outras, o Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN ), aprovado pelo DL nº196/89 de 14/6; e a Disciplina Jurídica da Reserva Ecológica Nacional (REN), aprovada pelo DL nQ93/90 de 19/3, com o objectivo de garantir a protecção de ecossistemas, resguardar os solos de maior aptidão agrícola de todas as...

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