Acórdão nº 593/09.7TBCTB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução12 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

O autor AA, advogado em causa própria, intentou a presente acção declarativa, de condenação, com processo ordinário, contra os réus BB, CC e DD, pedindo: a) - A condenação solidária de todos os réus a pagarem-lhe a quantia de € 113.050,43, acrescida de € 21.430 de IVA, num total de € 134.480, acrescida dos juros vincendos até efectivo pagamento, e b) - A condenação do 1º e 3º Réus a pagarem-lhe a quantia de € 150,00, acrescida dos juros vincendos até efectivo pagamento.

Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, ser aquele o valor dos honorários devidos pelos seus serviços profissionais, enquanto advogado, que prestou em representação dos réus, através de mandato forense, desde o ano de 1996, até que, no ano de 2007, veio a saber que os réus tinham outorgado procuração forense a outros dois advogados – o que foi por si entendido como acto de revogação tácita do mandato que lhe tinha sido conferido – o que levou a que tivesse interpelado os dois primeiros réus, para ser pago pelos serviços prestados até àquela data, apresentando, para tanto, nota de honorários e despesas, sem que, no entanto, tivesse obtido qualquer resposta.

Contestaram os dois primeiros réus, invocando a excepção peremptória do pagamento das quantias peticionadas e ainda que o mandato cessou, não pelas razões invocadas pelo autor mas sim pela comunicação escrita, que dirigiu aos réus, datada de 28 de Julho de 2005, terminando por invocar a excepção da prescrição presuntiva do pagamento, prevista no artigo 317º do Código Civil.

Concluíram pela procedência das excepções e sua consequente absolvição do pedido.

O autor apresentou réplica, na qual manteve tudo o que havia alegado na petição inicial, acrescentando que a carta enviada aos réus só se destinou a pressioná-los, com a fixação de um prazo para que algo lhe dissessem, dando a entender que só lhe restaria concluir que o mandato cessaria, caso o silêncio se mantivesse, manifestando, contudo, a sua disponibilidade para prosseguir no exercício do mandato. Acrescenta que foi posteriormente contactado pelo mandatário da parte contrária no litígio que com os réus se mantinha e, convicto que continuava a exercer o mandato em representação deles, informou-os de ter sido proposta nova acção contra eles, tendo ainda no exercício do mandato, em 25 de Julho de 2006, enviado nova carta que o 1º réu recebeu, informando-o destes contactos e alertando-o para a importância em contestar, renovando novamente a sua disponibilidade para prosseguir no exercício do mandato e fixando prazo para uma resposta pois já corria o prazo para apresentar contestação.

Concluiu, defendendo a improcedência da excepção da prescrição.

Elaborado o saneador, veio a ser oportunamente proferida a sentença, que, julgando procedente por provada a pretensão do autor, condenou (i) os réus BB, CC e DD a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de € 113.050,43, acrescida de € 21.430 a título de IVA e de juros vincendos até efectivo pagamento e (ii) os réus BB e DD, ainda, no pagamento de € 150, acrescido dos juros vincendos até efectivo pagamento.

Na sequência da notificação da decisão, veio o Autor pedir a aclaração da mesma, o que veio a ser deferido, tendo-se decidido que “a decisão condenatória deverá ser entendida (e assim se aclara a mesma, sem prejuízo do que anteriormente se consignou), no sentido de que os réus são condenados no pagamento de juros vencidos sobre os montantes em causa desde a data da propositura da acção e nos vincendos até efectivo pagamento”.

Inconformados com a sentença proferida, os réus BB e CC interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 29/01/2013, na procedência da apelação, revogou a decisão recorrida, na parte em que condenou os réus BB e CC, passando a julgar improcedente a acção quanto a eles e absolvendo-os do pedido formulado pelo autor.

Os réus BB e CC, na sequência da notificação do despacho de aclaração da sentença ampliaram, invocando o disposto no artigo 670º, n.º 3, do CPC, o objecto do recurso.

Inconformado, recorreu de revista o autor AA, finalizando a alegação com as seguintes conclusões: 1ª - A Relação fez uso dos poderes contidos no artigo712° C.P.C, ao modificar a matéria fáctica.

  1. - Ao omitir dos factos provados os elementos fácticos que poderiam advir dos depoimentos de parte - com fundamento numa deficiente redacção de um quesito que não reproduzia o correctamente alegado pelo ora recorrente nos seus articulados e extraindo dai a conclusão que os depoimentos de parte não tinham a virtualidade de ilidir a presunção de pagamento - a selecção da matéria de facto está amputada de factos indispensáveis para se decidir se a presunção de pagamento foi ilidida por actos incompatíveis com aquela presunção pelo que verificou-se uma irregularidade processual que, influindo na decisão da causa, levou o tribunal a incorrer em nulidade; 3ª - Também a selecção da matéria fáctica constante do Acórdão se apresenta deficiente nesta parte, omitindo factos relacionados com actos ou atitudes incompatíveis com a presunção de pagamento denunciados através dos depoimentos de parte; 4ª - Assim sendo, não havendo decisão na 1ª instância pela elisão da presunção de pagamento, também não pode a Relação limitar-se a escrever que a presunção não se revela ilidida, se a prova susceptível de ser obtida nos depoimentos de parte, conjugada com os restantes meios de prova, não foi apreciada, tudo se passando como se os Réus não tivessem prestado depoimento.

  2. - Não tendo a 1ª instância decidido sobre a elisão da prescrição presuntiva por actos e atitudes incompatíveis com a presunção de pagamento - não obstante ter indicado que, caso tivesse que decidir sobre essa questão, seria no sentido de que se revelava ilidida a aludida presunção - porque tal questão não se colocou e estava prejudicada pela solução defendida na sentença, não podia a Relação, que nesta parte reproduziu a selecção da matéria fáctica da 1ª instância, dar como não ilidida a presunção de pagamento pois também aqui não foi valorada, no sentido de dar como provado ou não provado, a matéria constante dos depoimentos de parte; 6ª - Ora, omitidos os factos decorrentes da valoração dos depoimentos de parte, peca a selecção da matéria fáctica contida no Acórdão recorrido por deficiente; 7ª - Assim, o douto Acórdão padece do mesmo vício, tudo se passando como se, também na 2ª instância, ao não conhecer e valorar num ou outro sentido a prova decorrente dos depoimentos de parte, os Réus não tivessem prestado tais depoimentos; 8ª - O Autor suscitou a questão da elisão da presunção de pagamento em termos correctos, pelo que não se lhe pode imputar, antes ao Tribunal, a deficiente reprodução no questionário do que efectivamente alegou pois, alegando que os Réus não pagaram, não podia o Tribunal ter alterado a redacção para «Os Réus pagaram ao Autor as quantias peticionadas pois que, deste modo, foi suscitada questão distinta conduzindo a uma resposta deficiente, porquanto de uma resposta negativa a um quesito não se pode extrair o seu contrário, sendo certo que a contraprova não basta para a elisão das presunções legais, e exige a lei a prova do contrário”.

  3. - No caso em apreço, temos um presunção extraída por omissão, num autêntico “faz de conta", ao ignorar a prova susceptível de ser obtida a partir dos depoimentos de parte dos Réus com fundamento numa deficiente redacção de um quesito que não reproduziu aquilo que foi alegado nos articulados pelo recorrente; 10ª - Não tendo a Relação determinado a repetição da produção de prova - para a obtenção de uma resposta a um quesito, perguntando-se se os Réus não pagaram ao Autor os honorários peticionados, conforme alegado pelo Autor, - o Acórdão comete a nulidade consistente em omissão de pronúncia (artigo 668° n° 1 alínea d) C.P.C.) devendo anular-se o julgamento da 1ª Instância naquela parte e ordenar-se a consequente repetição ou, caso assim se não entenda, mandar o processo para o Tribunal recorrido para ampliação da matéria fáctica, tudo nos termos do artigo 729º, nº 3 CPC.

  4. - Mesmo que se não atendesse aos depoimentos de parte, os articulados, nomeadamente a contestação, contêm elementos de factos que conduziriam por si à elisão da prescrição presuntiva, como na própria sentença se admitiu; 12ª – O facto de o Autor, naquela carta de Julho de 2005, ter escrito aos Réus, "Volto solicitar o favor de me dizer se se prestam a enviar o dinheiro para se fazerem registos, aproveitando-se, assim, a maior disponibilidade neste período de férias judiciais para o fazer",não tem o sentido de uma comunicação para, por sua iniciativa, dar como findo o mandato nem se pode retirar a conclusão de que a disponibilidade do Autor naquele período de férias tinha necessariamente que coincidir, de forma rigorosa, com o período de férias judiciais de verão de 2005 e, portanto, que terminaria no dia 31 de Agosto daquele ano; 13ª - Assim, a Relação, ao afirmar que, “não tendo os Réus correspondido solicitação do Autor, pelo menos, no termo das férias judiciais de verão de 2005, ficou este em condições de proceder à cobrança dos honorários e reembolso das despesas relativas às acções compreendidas no mandato que os Réus lhe haviam conferido, tal como aliás comunicou na carta enviada aos Réus em 28 de Julho de 2005”, faz uma interpretação com violação do preceituado no artigo 236º do Código Civil, pois o Autor não deu a entender que iria renunciar ou que condicionava o exercício do mandato a uma qualquer resposta ou ao decurso do prazo correspondente ao período de férias judiciais.

  5. - Ao Interpretar aquela parte do texto como que fixando um prazo para, caso não houvesse resposta ou não lhe fosse enviado o dinheiro, fazer cessar por sua iniciativa o mandato, o Acórdão afasta-se dos critérios estabelecidos nos artigos 236º e 238º do Código Civil.

  6. - Sendo assim, resta concluir que a cessação do mandato foi por revogação tácita do...

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