Acórdão nº 178/07.2TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução20 de Junho de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Auto AA, Representações, Acessórios e Reparações Automóveis, Lda (doravante AUTO-AA) veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, Comércio de Automóveis, SA, (a seguir apenas designada por "SC COMÉRCIO") e BB, Indústrias Metalúrgicas e Veículos de Transporte, SA, (a seguir designada por "SC INDÚSTRIAS"), pedindo a sua condenação solidária, a pagar-lhe: a) -uma indemnização de clientela no montante de € 160 381,32; b) - a quantia de € 1 316 584,00, em consequência directa e necessária da resolução do contrato celebrado em 01.10.2003; c) - uma indemnização de € 100 000,00 por danos indirectos, actuais e futuros, certos e eventuais, trazidos à sua imagem e credibilidade resultantes da cessação do dito contrato; bem como, (d) - a averbar a propriedade dos veículos que a Autora revendeu após a cessação do contrato a favor dos compradores finais; e a pagar-lhe (e) - juros de mora desde a citação para contestar até efectivo e integral pagamento.

Alegando, para tanto, e em suma: Celebrou com as Rés um contrato que qualifica como de concessão, por via do qual passou a desenvolver a actividade de compra e revenda de veículos a motor das marcas Toyota e Lexus; em 2004, a Ré "SC Comércio", abusando da dependência económica da Autora, resolveu o contrato de forma ilícita, sem justa causa, causando-lhe prejuízos vários, que melhor discrimina.

Citadas as Rés, contestaram e reconviram, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhes € 85 578,52 que esta lhes deve e a retirar a sinalética Toyota das suas instalações, bem como sanção pecuniária compulsória pelo atraso no cumprimento. Invocam ainda a litispendência, a ilegitimidade da Ré "SC Indústria" e impugnam a factualidade alegada.

A Autora deduziu réplica, respondendo às excepções e à reconvenção pedindo a condenação das Rés como litigantes de má fé.

As Rés deduziram tréplica, concluindo como na contestação.

Revogada, por via de recurso, a decisão que declarou a incompetência territorial do tribunal, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de litispendência e de ilegitimidade e procedente a litispendência quanto à reconvenção, em função do que absolveu a Autora da instância reconvinda quanto ao primeiro pedido aí formulado. Prosseguiram os autos com a selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória.

Realizada a audiência de julgamento, foi decidida a matéria de facto constante da base instrutória.

Foi proferida a sentença, que decidiu: 1. Na parcial procedência da acção, condenar as Rés, solidariamente, a pagar à Autora: a) - uma indemnização de clientela no valor de € 10 953,79 b) - uma indemnização, pela resolução sem justa causa do contrato celebrado em 01.10.2003, no valor total de € 51 462,16, correspondente ao somatório de € 21 907,58 (danos indirectos resultantes de abuso de dependência económica), € 4 554,58 (indemnizações a trabalhadores) e € 25 000,00 (danos morais relativos à imagem da Autora).

  1. - juros de mora sobre tais quantias, contados desde a citação.

    1. Na parcial procedência da reconvenção, condenar a Autora: a) - a retirar das suas instalações, a sinalética e demais elementos identificativos de vendas Toyota.

  2. no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da retirada da sinalética.

    Inconformadas, vieram, autora e rés, interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por acórdão de fls 2088 a 2129 se julgou improcedente a apelação das rés e parcialmente procedente a da autora, elevando para € 50 000,00 o montante fixado pela 1ª instância a título de indemnização de clientela. No mais, confirmando o decidido.

    De novo irresignadas, vieram, também autora e rés, pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

    Formulando a autora AUTO-AA, na sua alegação, as seguintes conclusões: Da aplicabilidade do prazo imperativo de 5 anos 1ª - Dos inúmeros factos provados, em especial dos que vão destacados nas páginas 13 a 17, supra, e das razões e fundamentos expostos nas páginas 4 a 13 e 17 a 22, supra, resulta evidente a submissão natural e obrigatória do contrato de concessão comercial sub judice à disciplina legal emergente da aplicação do Regulamento CE 1400/2002, de 31 de Julho.

    2ª - É público e notório que nos Estados - Membros da União Europeia, os fabricantes de veículos a motor e os fabricantes de peças sobressalentes distribuem os seus produtos através de redes de distribuidores que cobrem todo o território de um Estado-Membro.

    3ª - Estas redes de distribuição baseiam-se numa série de acordos idênticos estabelecidos entre os fabricantes e distribuidores, acordos esses que quando perspectivados pelo direito da concorrência designam-se acordos verticais, dado que os fabricantes e os distribuidores operam em níveis diferentes da cadeia de produção ou de distribuição (alínea C) do art. 1 º do Regulamento CE 1400/2002.

    4ª - Dos factos provados resulta até à exaustão que até 30.09.2003 existiu uma "Rede de Concessionários" e que a partir de 01.10.2003 e por força do Regulamento CE 1400/2002, de 31 de Julho, esta rede passou a designar-se por "Rede de Distribuidores Autorizados" os quais passaram a desenvolver a sua actividade a partir de estabelecimentos autorizados Toyota, sem qualquer restrição territorial, isto é, o território contratual afecto a cada distribuidor autorizado passou a compreender todos os Estados - Membros da União Europeia, Liechenstein, Noruega e Islândia - cfr. arts 1.5, 2, 3.1.1, 3.1.5, in fine do Regulamento CE 1400/2002.

    5ª - Esta rede oficial Toyota cobre todo o território nacional (cf. resposta aos quesitos 1 º e 2º da Base Instrutória).

    6ª - O art.º 81º do TCE (actual art. 101º do TFUE) aplica-se aos acordos susceptíveis de afectarem o comércio entre Estados-Membros e que impeçam, restrinjam ou falseiem a concorrência. Tal é o caso, em princípio, quando uma rede cobre todo o território de um Estado-Membro.

    7ª - Quando esta primeira condição enunciada está preenchida, o n.º 1 do art.º 81 º (actual nº 1, do art. 101 º do TFUE), proíbe os acordos que restrinjam ou falseiem consideravelmente a concorrência.

    8ª - Sucede, porém, que face ao controvertido no n.º 3 do art.º 81 º (nº 3 do actual art. 101 º do TFUE) esta proibição torna-se inaplicável aos acordos cujos benefícios - como por exemplo, o aumento da eficácia -, compensem os efeitos anti-concorrenciais, caso em que estes acordos são considerados isentos, ao abrigo do n.º 3 do art.º 81 º do TCE.

    9ª - O sector automóvel, em apreço no caso sub judice, tem sido objecto, desde há alguns anos, de um regulamento de isenção por categoria específico, o Regulamento (CE) n.º 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, que caducou em 30 de Setembro de 2002, tendo sido substituído pelo Regulamento (CE) n.º 1400/2002, de 31 de Julho de 2002, relativo à aplicação do n.º 3 do art.º 81 º do Tratado (actual nº 3 do art. 101 º do TFUE) a certas categorias de acordos verticais e práticas concertadas no sector automóvel (a seguir designado apenas de "o Regulamento"), o qual entrou em vigor em 1 de Outubro de 2002 e é aplicável na União Europeia e no Espaço Económico Europeu (EEE).

    10ª- O Regulamento, esclareça-se, é aplicável a todos os acordos relativos a veículos novos e a peças sobressalentes novas.

    11ª- Os contratos de agência são habituais no sector dos veículos a motor. Para efeitos do direito da concorrência da CE, a Comissão estabelece uma distinção entre contratos de agência "genuínos" e "não genuínos", de acordo com os critérios definidos nas Orientações relativas às restrições verticais, independentemente da classificação conferida a tais acordos no direito civil nacional.

    12ª- 0s acordos de agência genuínos, ou seja, aqueles em que o agente não suporta quaisquer riscos ou suporta apenas riscos insignificantes em relação aos contratos celebrados e/ou negociados por conta do comitente e aos investimentos específicos no mercado do domínio de actividade em causa, não são proibidos pelo n.º 1 do art.º 81 º (actual nº 1 do art. 101 º do TFUE) e não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento. Em contrapartida, os acordos de agência não genuínos são abrangidos pelo âmbito de aplicação do regulamento.

    13ª- Acordos de agência "não genuínos" ao pressuporem a assunção de riscos pelo agente, tais como a aquisição prévia dos veículos para posterior revenda, a constituição de stocks de veículos e peças, o investimento em instalações, tais como stand e oficinas, em equipamentos, recursos humanos, formação, etc., correspondem aos contratos socialmente denominados como de concessão comercial. Aqui, ao contrário da "agência genuína" ou pura, o concessionário actua em nome próprio e por sua conta e risco.

    14ª- O Regulamento, que é vinculativo e directamente aplicável em todos os Estados-Membros, impede que tais acordos possam ser considerados nulos em toda a União Europeia, ao abrigo do n.º 2 do art.º 81 º, em conformidade com o princípio do primado do direito comunitário.

    15ª- Prescreve o artigo 1 º do regulamento o seguinte: 1. Para efeitos do presente regulamento, entende-se por: (. .. ) (g) "Sistema de distribuição selectiva quantitativa”: o sistema de distribuição selectiva em que o fornecedor utiliza critérios para a selecção de distribuidores ou oficinas de reparação que limitam directamente o seu número; (h) "Sistemas de distribuição selectiva qualitativa”: o sistema de distribuição selectiva em que o fornecedor utiliza critérios para a selecção de distribuidores ou oficinas de reparação, que têm apenas carácter qualitativo, são exigidos pela natureza dos bens ou serviços contratuais, são estabelecidos uniformemente para todos os distribuidores ou oficinas de reparação que se candidatem ao sistema de distribuição, não são aplicados de forma discriminatória e não limitam directamente o número de distribuidores ou de oficinas de reparação; ( ... )" 16ª- As condições gerais...

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