Acórdão nº 832/07.9TBVVD.L2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução18 de Junho de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Recurso de Revista nº 832/07.9TBVVD.L2.S2[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I— RELATÓRIO AA e marido BB, residentes na ..., ..., ..., intentaram a presente acção declarativa com processo comum ordinário demandando CC, residente na Rua ..., nº … – ….º ….º, Lisboa, peticionando a condenação desta a ver declarada a anulação ou a nulidade formal do testamento que a falecida mãe de ambas, DD, efectuou no Consulado-Geral do Brasil em Lisboa, em 23/06/2005 Alegaram, para tanto, em síntese, que a 1.ª autora é a filha mais velha, sendo ela e a ré as únicas filhas da falecida, e que o referido testamento é nulo e inválido porquanto a mãe era cidadã exclusivamente portuguesa, sempre residiu em Portugal, e nunca foi ao Brasil.

A lei aplicável à sucessão por morte é a lei pessoal do autor da sucessão que no caso é a portuguesa (arts. 62.º e 31.º, n.º 1, ambos do Código Civil – CC). No testamento brasileiro a mãe das autora e ré, deixou 1/2 dos bens sitos no Brasil à ré, aproveitando a quota disponível de 1/2 da lei brasileira (art. 1789.º do Código Civil Brasileiro, Lei 10.406 de 10/01/2002 – CCB), o que contraria a legítima de 2/3 da lei portuguesa.

Por força do princípio da universalidade da herança, os tribunais portugueses são competentes para a partilha de bens de portugueses mesmo que situados no estrangeiro.

A falecida só podia fazer testamento de forma válida num cartório notarial português, a não ser que se encontrasse acidentalmente num país estrangeiro, caso em que poderia fazer o testamento num consulado português (art. 4.º, n.º 2, al a), do Código do Notariado – CN).

Em matéria de forma das disposições por morte rege o art. 65.º, n.º 1, do CC, que estabelece uma conexão alternativa, mas ela não é aplicável ao caso; a lei brasileira não permite que um consulado brasileiro lavre testamentos de portugueses residentes em Portugal.

A lei brasileira (art. 1785.º do CCB) diz que a sucessão se abre no lugar do último domicílio do falecido; a admitir-se a validade do testamento brasileiro, estar-se-ia perante dois testamentos e duas disposições de quotas disponíveis, uma eficaz num inventário a realizar em Portugal para os bens portugueses e a outra a utilizar num inventário a realizar no Brasil para os bens brasileiros.

Contestou a ré, excepcionando a ilegitimidade da autora enquanto cabeça-de-casal da herança e a incompetência territorial do tribunal e, por obscuro nos termos em que foi formulado, pediu que tudo o que consta do pedido para além do que acima foi consignado seja considerado como não escrito.

Por outro lado, impugnou os factos alegados pelos autores e os efeitos que eles querem retirar dos não impugnados, entendendo que: não há qualquer violação do disposto nos arts. 62.º do CC, e 4.º, n.º 2, al. a), do CN; nem incompetência do consulado brasileiro para a celebração do testamento; nem violação da legítima; nem ocorre competência exclusiva dos tribunais portugueses para a acção do inventário.

A ré acrescenta que aceita que é a lei portuguesa a competente para o cálculo da legítima e que considera que a deixa testamentária só em concreto é que poderá vir a ser tida como inoficiosa, o que se terá de apurar em sede de inventário.

Os autores replicaram, defendendo a improcedência das excepções deduzidas (cf. fls. 110 a 117).

Foi decidida a incompetência territorial do Tribunal de ... no sentido defendido pela ré, passando a acção a ser tramitada pelas Varas Cíveis de Lisboa (cf. fls. 125 e verso).

Depois de ultrapassados alguns incidentes, no despacho saneador a ré foi absolvida da instância por ineptidão da petição inicial (cf. fls. 188 a 190), decisão revogada por acórdão da Relação de Lisboa datado de 22/04/10 que ordenou o prosseguimento dos autos (cf. fls. 235 a 245), e após uma audiência preliminar, considerando-se que o processo o permitia sem necessidade de mais provas, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando-se ineficaz o testamento efectuado pela falecida DD, elaborado em 23/06/2005 no Consulado-Geral da República Federativa do Brasil, e condenando-se a ré no reconhecimento dessa ineficácia (cf. fls. 277 a 289).

Inconformada, apelou a ré, e a Relação de Lisboa acordou, por maioria, em 23/11/11, em julgar o tribunal português internacionalmente incompetente para conhecer do pleito, absolvendo a ré da instância (cf. fls. 362 a 374), decisão que acabou por ser revogada por Acórdão deste STJ, de 19/06/12 (cf. fls. 454 a 460), declarando a competência do tribunal português e determinando a baixa do processo à Relação para conhecimento da apelação.

Nesta sequência foi proferido o acórdão da Relação sob recurso, de 25/10/12, que, por unanimidade, julgou procedente a apelação revogando a sentença do tribunal de 1.ª Instância e, em sua substituição, julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido (cf. fls. 474 a 482).

Mantendo a sua discordância, os autores interpõem, agora, recurso de revista, para este Supremo Tribunal, concluindo, assim, as suas alegações (cf. fls. 493 a 498 verso): 1.ª - A cidadãos (exclusivamente) portugueses, como é o caso dos presentes autos, e estando o testador em Portugal, só e exclusivamente os Notários portugueses são capazes de fazer e/ou de celebrar os seus testamentos.

  1. - O Acórdão recorrido fundamentou-se, maxime, na validade e na eficácia do “testamento brasileiro”, ora em apreço, da Mãe de A. e R. nestes autos, remetendo para o Inventário a questão de saber se a disposição testamentária é inoficiosa ou não... Ora, 3.ª - A inoficiosidade de um testamento (e até, antes dessa "questão", a "validade" de um testamento e, depois desta, a sua "eficácia"...) não é definida nem tratada, como é consabido pacificamente, na prova “sumária” de um processo de Inventário; mas, antes, num processo autónomo (e até, sempre que possível, "prévio" ao Inventário)!...

  2. - Como é que, num "vulgar" Inventário, se vai tratar de uma hipotética inoficiosidade, "ainda por cima" adveniente de um testamento brasileiro, "espertamente" celebrado, contra a lei portuguesa, por uma cidadã exclusivamente portuguesa, residente no Porto, e que, nem como simples "turista", havia sequer, alguma vez, ido ao Brasil?! ...

  3. - Do entendimento, expresso no Acórdão recorrido, discordamos total e frontalmente, pois que viola as disposições da lei portuguesa quer quanto às "sucessões", quer quanto à "forma" e quer quanto à "substância" (do testamento). Entretanto, 6.ª - Desde já, em 1.° lugar e por mera economia processual, dá-se aqui, como inteiramente reproduzido tudo o que até à presente data foi por nós alegado e apresentado nos autos, mormente a p.i. bem como todos os documentos juntos, nomeadamente o "Manual Consular Brasileiro", bem como todos os Acórdãos, a que se fez referência nos vários articulados...

  4. – Efectivamente, dispõe a alínea a), do art. 64.°, do Cód. Civil, que cabe à lei pessoal do autor da Herança ao tempo da declaração, ou seja, ao tempo da realização do testamento regular, a saber: a) - a interpretação das respectivas cláusulas e disposições, salvo se houver referência expressa ou implícita a outra lei; Ora, 8.ª - O testamento da finada D. DD, mãe da A. e da R., faz referência ao artigo 1846.° do Cód. Civil brasileiro, no qual se dispõe que a legítima é de metade dos bens do de cujus; e tal disposição é contrária ao disposto no art. 2159.º, do nosso Cód. Civil, que considera a legítima dos filhos em 2/3 (dois-terços) da Herança do de cujus 9.ª - O texto do "testamento brasileiro" da finada D. DD, feito no Consulado-Geral do Brasil, em Lisboa, diz expressamente que ...."podendo, portanto, dispor da metade do seu património, a chamada parte disponível..." Assim, temos, concretamente, a vontade da testadora de se submeter à lei brasileira, ou seja, usufruir da quota disponível da lei brasileira que, como vimos, é superior à quota disponível existente no Código Civil Português. Ora, ao querer, como quis, submeter-se à lei brasileira, a testadora pretendeu fugir ao imperativo da lei portuguesa e remeter-se para a lei brasileira, que poderia dar mais valores à Ré, ora e aqui Recorrida, como, de facto, o fez ! Daí que, 10.ª - O testamento em apreço retrata uma “fraude à lei”, prevista pelo art. 21.° do Cód. Civil, pois que a Finada, ao querer que o seu testamento fosse regido pelo art. 1846.°, do Cód. Civil brasileiro, quis criar uma situação de direito fraudulenta – a menção àquele preceito brasileiro –, para "fugir" à aplicação da sua lei pessoal – a lei portuguesa.

  5. - Fez, assim, a douta Sentença da 1." Instância, uma aplicação correcta da Lei à situação de facto, ao contrário do douto Acórdão agora em recurso.

  6. - Aliás, muito se admiram e estranham as “contas aritméticas”, que o Sr. Desembargador-Relator a quo se deu ao trabalho de fazer, e às conclusões a que chegou, pois que se tivesse lido bem a relação de bens, doados à R., ora Recorrida, teria compreendido que esta está mais que beneficiada, mesmo sem o testamento ora em análise.

  7. - Como consta dos autos e do “Manual Consular Brasileiro”, os consulados do Brasil no Exterior, será melhor dizer-se “no estrangeiro” — aliás, como os consulados portugueses “no estrangeiro” –, só podem exercer funções de Notário para os cidadãos brasileiros (para os seus cidadãos que se encontrem no estrangeiro...) e nunca para os estrangeiros, nomeadamente para os portugueses residentes em Portugal, como era o caso da testadora (falecida mãe de A. e R.).

    Efectivamente, 14.ª - Por muitas “contas de matemática” que se possam fazer, ½ (metade) de uma unidade é sempre superior a 1/3 (um-terço) da mesma unidade — e temos de realizar que a Herança da finada é uma única "unidade"!... E é matéria assente, pacificamente, que a falecida testadora, D. DD, era cidadã exclusivamente portuguesa, residente em Portugal (e que, aliás, nunca tinha ido ao Brasil, mesmo como simples "turista"...) e que a lei que regula a sua sucessão é a lei portuguesa; e é a esta última que têm de se submeter os seus...

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