Acórdão nº 3424/07.9TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2013
Magistrado Responsável | GARCIA CALEJO |
Data da Resolução | 15 de Maio de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA e BB, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinária, contra CC– …, Ldª, com sede no Lugar de ..., ..., ..., cuja posição processual foi adquirida, na pendência da acção, pelo DD, S.A.
, com sede na..., nº …, no …, bem como contra EE e mulher, FF, residentes na Rua ..., nº …, …, em ..., ..., tendo sido chamados a intervir, na pendência da acção, como intervenientes principais ao lado dos RR. originários, na qualidade de trespassários, GG e mulher, HH, residentes na Rua da ..., Nº … e …, em ..., ..., alegando, em síntese, que: São donos de uma fracção autónoma de um prédio urbano, onde instalaram a sua residência permanente, sendo a R. CC dona de uma outra fracção no mesmo prédio correspondente a um estabelecimento destinado a comércio e/ou restaurante na cave e no rés-do-chão, fracção essa que a R. prometeu vender aos 2ºs RR. Estes, após realização de obras e obtenção do licenciamento camarário, destinaram a fracção à actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação, não autorizada pelo título constitutivo da propriedade horizontal, desenvolvendo por isso uma actividade que lhes está vedada pelo título; a sua fracção é contígua à fracção dos RR., sobrepondo-se a esta. Os equipamentos usados pelos RR. no fabrico de pastelaria e panificação, em especial o sistema elevatório, bem como o pessoal afecto ao seu manuseamento, provocam ruído susceptível de ser ouvido na sua fracção, perturbando o seu descanso, especialmente ao início da manhã, nos fins-de-semana e nos feriados, causando ainda vibrações e riscos de incêndio, bem como cheiros persistentes, actos incompatíveis com o seu bem-estar. O estabelecimento em questão provoca ainda uma desvalorização comercial do edifício, que afecta o valor económico das fracções.
Concluem pedindo que sejam os RR. solidariamente condenados: A não utilizar a fracção autónoma “...” para actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação. Se assim não for entendido, o que só por mero dever de patrocínio se concede, a não utilizar a fracção autónoma “...” para a actividade de fabrico de pastelaria e panificação antes das 08,00 horas aos fins de semana e feriados e antes das 07.30 horas aos dias úteis, e a não utilizarem, em ocasião alguma, o sistema elevatório identificado no presente articulado.
Regularmente citados, vieram os RR. deduzir contestação.
A R. CC veio excepcionar a incompetência do tribunal, invocando que ao estabelecimento instalado no edifício em discussão, incluindo a alteração de uso originariamente previsto para a fracção, foi licenciado pela autoridade administrativa competente, sendo o processo da exclusiva competência da jurisdição administrativa e impugna, ainda, a matéria alegada pelos AA., referindo que a actividade desenvolvida pelos RR. na fracção em discussão não pode ser classificada como actividade industrial, estando sujeito ao regime jurídico dos estabelecimentos de restauração e bebidas, encontrando-se a actividade exercida autorizada pelo estatuto do condomínio, sendo lícita; mais alega que os AA. sabiam que podia ser aberta na fracção uma actividade de restauração, que é similar à actividade desenvolvida pelos RR., actuando os AA. de forma abusiva e com má-fé.
Os 2ºs RR. sustentaram que a actividade por si desenvolvida não é uma actividade industrial, estando enquadrada na finalidade da fracção, sendo o seu fim reconhecido pelo estatuto do condomínio; em relação aos prejuízos alegados pelos AA., invocam que toda a fracção foi objecto de insonorização, não sendo audíveis na habitação dos AA. os equipamentos usados na fracção ou o pessoal afecto ao seu manuseamento; quanto ao monta-cargas, o seu ruído deveu-se a uma deficiência do equipamento, que teve entretanto intervenção da empresa que o colocou, não havendo, por outro lado, qualquer ligação entre a fracção dos AA. e a área de fabrico do estabelecimento dos RR., inexistindo qualquer dos riscos ou fontes de desvalorização que os AA. imputam o estabelecimento dos RR.
Concluem pedindo a improcedência da acção.
Os AA replicaram, pugnando pela improcedência da excepção de incompetência material arguida pela R. CC, alegando, ainda, que a legislação invocada pelas RR. que regulamenta a instalação e o funcionamento de restauração e bebidas não revogaram as normas de natureza civil que regulamentam a propriedade horizontal, sendo a actividade de fabrico de pão manifestamente industrial.
Terminam pedindo a improcedência das excepções, no mais mantendo o alegado e peticionado na petição inicial.
Foi designada data para tentativa de conciliação das partes, que se frustrou.
Por despacho de fls. 165 e segs. foi apreciada a excepção da incompetência material arguida, que foi indeferida e, de seguida, procedeu-se à elaboração do despacho saneador e à selecção dos factos assentes e dos controvertidos.
Foi tramitada por apenso a habilitação de adquirente, referente ao habilitado DD, no contexto do qual foi proferida sentença julgando efectuada a habilitação.
Foi admitida a intervenção dos chamados, enquanto trespassários e actuais responsáveis pela exploração do estabelecimento em discussão, contra quem foi deduzido, a fls. 543 e segs., incidente de intervenção principal.
Teve então lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, finda a qual se respondeu à matéria de facto e se proferiu a sentença.
Nesta julgou-se a acção totalmente procedente por provada e, em consequência, condenou-se solidariamente os RR. a não utilizarem a fracção autónoma “...” para actividade de pastelaria e panificação. 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. EE e mulher FF e os intervenientes DD e GG e mulher, de apelação para o Tribunal da Relação do Porto tendo-se aí, por acórdão de 25-10-2012, julgado improcedentes os recursos, confirmando-se a sentença recorrida.
1-3- Continuando irresignados com este acórdão, dele recorreram o DD, FF e GG e mulher para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revistas e com efeito devolutivo.
O recorrente DD alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- O presente recurso tem por objecto reapreciar duas questões de direito: uma, relacionada com a admissibilidade de ser desenvolvida uma actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação numa fracção que, de acordo com o respectivo título constitutivo de propriedade horizontal, está afecta à finalidade de "comércio e/ou restaurante"; outra, que consiste em saber se o comportamento dos Autores que, aquando da aquisição da sua fracção, sabiam que na fracção "..." poderia vir a ser desenvolvida uma actividade de serviços - tal como veio a acontecer - consubstancia um exercício abusivo de direito (se direito houvesse); 2º- Constituindo entendimento pacífico que, neste contexto, a expressão restaurante "envolve a actividade de produção e transformação de mercadorias, sendo considerada como uma actividade industrial ", dúvidas não subsistem de como a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação se inclui nesta definição; 3º- Isto porque a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação não é mais de que uma actividade de produção e transformação de mercadorias - mercadorias estas que se reconduzem à própria massa de pão e de bolos; 4º- Contra isto não vinga o único argumento vertido no acórdão recorrido de que entender-se que a actividade de pastelaria e panificação está abrangida no título constitutivo que prevê uma actividade de restaurante põe em causa a tranquilidade dos que no imóvel vivem: primeiro, porque não são raros os restaurantes que também produzem o seu próprio pão, à mesmíssima hora que o fazem as padarias ou pastelarias, segundo, porque a maioria dos restaurantes obtêm licença para estarem abertos até horas tardias provocando ruído; 5°- De qualquer forma, no caso dos autos, a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação desenvolvida na fracção "..." não produz qualquer ruído que possa perturbar o descanso dos Recorridos - isto porque apenas foi dado como provado que a utilização do "monta pratos" de onde provinha o ruído que incomodava os Recorridos foi interditada por decisão cautelar; 6°- Não obstante, uma coisa é certa: não é o factor horário que delimita o fim que pode ser desenvolvido numa determinada fracção, mas sim o factor actividade - e, insista-se, no caso dos autos essa actividade reconduz-se à produção e transformação de mercadorias só diferindo do restaurante quanto ao tipo de mercadorias; 7°- De todo o modo, constituindo facto provado nos autos que os Recorridos quando adquiriram as suas fracções, sabiam que na fracção "..." poderia ser instalado um estabelecimento destinado a comércio/serviços - e não um estabelecimento destinado a comércio e/ou restaurante, tal como previsto no título constitutivo - a sua ponderação, omitida no acórdão recorrido, conduz, a um só tempo, à sua nulidade uma vez que deixou de se pronunciar sobre questão sobre a qual recaia a obrigação de o fazer e à sucumbência da decisão nele vertida; 8°- Se a expressão serviços engloba a actividade de fabrico de pastelaria e panificação, apodíctico é concluir que a actividade desenvolvida na fracção "..." está a coberto de um licenciamento administrativo - licenciamento este para comércio e/ou serviços.
9°- Proibindo a al. c) do n° 2 do art.
1422º do Cód. Civil que possa ser dado um fim diverso ao que está previsto no título constitutivo da fracção e sendo a sua ratio proteger as legítimas expectativas daqueles que venham a adquirir uma fracção que lhe é contígua, está bom de ver que os Recorrentes, aquando da compra da sua fracção, não podiam legitimamente esperar que não se desenvolvesse na fracção "..." uma actividade de fabrico de pastelaria e panificação; 10º- O comportamento dos Recorridos, ao colocarem em causa a actividade de fabrico próprio de pastelaria e...
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