Acórdão nº 08B1718 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução23 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Empresa-A - Sociedade de Locação Financeira, SA intentou, pela 15ª Vara Cível de Lisboa, contra Empresa-B - Comércio de Automóveis, SA, e AA, acção com processo ordinário, pedindo que os réus sejam condenados a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o veículo marca Honda, modelo Civic 1.5 LSI 4p, matrícula BT, a restitui-lo imediatamente e, subsidiariamente, caso não venha a ser possível tal restituição, solidariamente condenados a pagar-lhe, a título de indemnização, 1.880.000$00, com juros à taxa legal desde a propositura da acção até integral pagamento.

Alega, em síntese, ter, na sua qualidade de instituição de crédito, adquirido o dito veículo automóvel que deu em locação financeira à Empresa-B, SA, celebrando o respectivo contrato, contrato este que esta ré não cumpriu, deixando de pagar as rendas, apesar de a autora o ter cumprido integralmente; por isso, depois de, baldadamente, haver interpelado a ré para proceder ao pagamento daquelas rendas, resolveu o mesmo contrato e intimou-a a devolver-lhe o veículo, o que esta igualmente não fez; a ré, por seu turno, celebrou com o réu AA um contrato de aluguer da mesma viatura e este último foi avisado da extinção do leasing celebrado com a ré - o que determinou a caducidade do aluguer - mas também não entregou o veículo objecto do mesmo.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção.

A ré Empresa-B, SA alegou, em síntese, ter apresentado garantia idónea para assegurar o pagamento das rendas do contrato que celebrou com a autora - garantia que foi por esta exigida e que consistiu num contrato de seguro de caução directa celebrado com a Companhia de Seguros Empresa-C, SA, em que a autora figura como beneficiária e ela, ré, como tomadora, seguro que, nos termos acordados, a autora optaria por accionar em vez de resolver o contrato de locação financeira, caso ocorresse a falta de pagamento das rendas deste contrato; mas a autora, contra o que se tinha obrigado, não accionou o dito seguro-caução - uma garantia on first demand, i.e., à primeira interpelação, em que o pagamento do sinistro é efectuado, sem qualquer formalidade, no prazo de 45 dias após a interpelação - lesando gravemente a ré e os seus locatários.

Alegou ainda ter exercido o direito de opção de compra do veículo, mas a autora nunca lhe apresentou a factura do valor residual e adicionais, encontrando-se, por isso, em mora.

Em reconvenção, pediu que a autora fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 1.000.000$00 a título de indemnização e condenada como litigante de má fé, com fundamento em não ter a reconvinda respeitado o compromisso assumido - de accionar o seguro caução no caso de ela, reconvinte, não cumprir o contrato, deixando intangíveis os contratos celebrados entre a Empresa-B e os seus locatários de ALD - o que levou a que começasse a circular através dos meios de comunicação social que a ré reconvinte não era pessoa de bem e mais ninguém quis contratar com esta, acrescendo que, por outro lado, os locatários que ainda cumpriam os contratos, deixaram de os cumprir, o que levou à desastrosa situação financeira da ré.

Neste articulado, a ré deduziu ainda o incidente de chamamento à demanda da Companhia de Seguros Empresa-C, S.A., com fundamento em que é esta que deve à autora as rendas vencidas e vincendas, pelo incumprimento dela, ré.

O réu AA - para além de sustentar que alugou o veículo à Empresa-B sem saber que ele não pertencia à ré, e que, tendo cumprido a sua parte no contrato de ALD que com a ré celebrou, acabou por ficar sem o veículo por força de uma providência cautelar interposta pela autora, na qual esta omitiu a existência de um seguro que lhe garantia o pagamento dos prejuízos decorrentes do incumprimento da Empresa-B - pede, em reconvenção, que a reconvinda seja condenada a pagar-lhe a quantia de 3.095.000$00, acrescida do valor de 1.500$00 diários desde 12.09.96 até ao pagamento do valor do veículo e das benfeitorias que ele, reconvinte, nele aplicou, com fundamento em que, tendo sido privado do uso do veículo, se viu na necessidade de usar veículo de aluguer para a sua actividade profissional, no que gastou cerca de 2.500$00 diários, quando com o veículo referido nos autos gastava 1.000$00 diários, tendo, desde 03.09.96, o prejuízo diário de 1.500$00, sendo ainda certo que, tendo dotado o veículo de um rádio com antena que lhe custou 210.000$00, no convencimento de que viria a ser proprietário do veículo, não lhe foi esse rádio devolvido pela reconvinda, nem esta lhe pagou o respectivo valor.

A autora respondeu às excepções e à matéria da reconvenção, prosseguindo os autos a sua normal tramitação.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença.

Nela - para além de se decidir não ser admissível o deduzido chamamento da seguradora - foram os réus condenados a reconhecer a propriedade da autora sobre o acima identificado veículo, bem como a restituir-lho imediatamente. A reconvenção da ré foi julgada improcedente. Igual sorte teve a reconvenção do réu, salvo no que respeita ao pedido de indemnização pelo rádio por ele colocado no veículo, tendo, nessa parte, o pedido reconvencional sido julgado procedente e a autora condenada a pagar ao réu a quantia de 210.000$00.

Inconformados, os réus interpuseram recurso da decisão.

Não lograram, porém, qualquer êxito, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedentes ambos os recursos, mantendo a decisão recorrida.

Mas os réus não se ficaram, e trazem agora recurso de revista a este Supremo Tribunal.

A Empresa-B, SA, no remate das suas extensas alegações, em que, recurso após recurso, vem repetindo, quase por decalque, a mesma argumentação, apresentou um extenso leque conclusivo - 53 conclusões, algumas repetidas (!) que se espraiam por 15 (!) páginas de texto - em total e flagrante desprezo pelo disposto no n.º 1 do art. 690º do CPC (1), salvando-se, com interesse, as que se reportam ao objecto do recurso, e que são as que, em síntese, se indicam: 1ª - O acórdão recorrido não teve em consideração o fax de fls. 135 e 136, onde, claramente, a autora, ora recorrida, afastou a hipótese de resolução do contrato de locação financeira; do teor do referido fax decorre que a autora não queria a resolução do contrato, nem, consequentemente, a retoma do veículo, derrogando, assim, uma eventual cláusula de resolução; 2ª - E, por outro lado, ignorou-se totalmente o facto de a Empresa-B ter exercido a opção de compra - cfr. cartas de fls. 140/141 e 507, que também não foram tidas em consideração; 3ª - O facto de se exigir a devolução do veículo constitui abuso do direito, pois a autora nada contratou com o réu, sendo que "(...) se porventura da não entrega dos veículos lhe pode advir algum prejuízo, o que não parece crível face à existência daquele seguro, cujo objecto são precisamente as rendas trimestrais do contrato de locação, a existir sempre será menor que o prejuízo dos requeridos (leia-se os locatários de ALD da Empresa-B)", como se decidiu na sentença de fls. 511 a 519. Apesar disso, a autora, em manifesto abuso de direito, contactou os locatários de ALD da Empresa-B, com quem, aliás, nada contratara, conforme carta de fls. 30 do Apenso A, sendo ainda certo que está pendente uma acção da Empresa-A só contra a seguradora Empresa-C, SA, na qual a autora pede todas as rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas de todos os contratos de locação financeira, não se podendo admitir que queira receber todas as rendas e ainda os veículos, o que traduz enriquecimento sem causa, como já decidiu a Relação no acórdão que se junta; 4ª - Os réus são condenados a restituir, imediatamente, à autora o veículo, e, contudo, o mesmo já em 03.09.96 lhe foi entregue, conforme fls. 48 do Apenso A - e a acção deu entrada em Tribunal em 12.09.96, ou seja, depois do veículo ser entregue à autora - pelo que não se entende como se pode restituir algo que há 11 anos foi entregue à autora, que, apesar disso, não desistiu do pedido quanto à restituição do veículo, como o devia ter feito, sendo certo que o vendeu por Esc. 1.840.000$00, ainda em Setembro de 1996; 5ª - A Relação tinha amplos poderes, no domínio da modificabilidade da decisão de facto, que deveria ter exercitado, uma vez que dispunha de elementos necessários, conforme decorre do art. 712º do CPC, in casu, o seguro de caução directa de fls. 131, e, bem assim, a carta da Seguradora Empresa-C à autora Empresa-A, de fls.134, o fax da autora à Empresa-B, de fls. 135/136, e as cartas de opção de compra, de fls. 140 e 141 e 507; 6ª - Não se teve em consideração que o seguro de caução directa de fls. 131 é um contrato rigorosamente formal ad substantiam, tendo o acórdão recorrido considerado que as condições particulares da apólice prevalecem sobre as gerais, quando é precisamente o contrário, já que, à data, as condições gerais estavam, obrigatoriamente, sujeitas à aprovação do Instituto de Seguros de Portugal (...), gozando, por isso, as condições gerais de um valor reforçado em relação às particulares; 7ª - A referência ao ALD nas apólices é uma expressão da autoria da seguradora, que a partir de certa altura, e de motu proprio, a colocou no objecto da garantia, quiçá por se ter apercebido que estava a segurar um risco que não tinha capacidade financeira para segurar, razão porque se viu até obrigada a ter uma co-seguradora, a Tranquilidade; 8ª - Deu-se indevida relevância aos protocolos - meros acordos de cavalheiros - sobrepondo-os ao constante da apólice do seguro de caução directa; e não se teve em consideração que o seguro de caução directa é uma garantia autónoma, automática, à primeira interpelação, e que as rendas referidas no seguro de caução só podem ser as do contrato de locação financeira; 9ª - O seguro de caução directa é uma garantia autónoma, automática, à 1ª interpelação, on first demand, e que, garantindo o pagamento das rendas do contrato de locação financeira celebrado entre a autora e a...

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