Acórdão nº 08B1747 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução11 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA intentou, em 21.09.2006, no Tribunal Judicial de Almodôvar, acção com processo ordinário contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a indemnização de € 200.000,00, por danos não patrimoniais por ela sofridos e da responsabilidade do demandado.

Alegou, em síntese, ter sido sujeita, em 31.07.2004, à medida de coacção de prisão preventiva, aplicada em despacho judicial, em que a Ex.ma Juíza entendeu que havia fortes indícios de ter a autora, com outro, ateado quatro focos de incêndio que deflagraram no concelho de Almodôvar no dia 26 desse mesmo mês.

Porém, a decretada prisão preventiva era injustificada e deveu-se a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a sua aplicação, já que não existiam os invocados fortes indícios da prática do crime pela autora.

Por despacho de 27.08.2004, que enfermou do mesmo erro, e que incidiu sobre requerimento da autora impetrando a substituição da prisão preventiva por outra medida não privativa da liberdade ou pela obrigação de permanência na habitação, a dita medida de coacção foi mantida, e o mesmo sucedeu posteriormente, noutros despachos de reexame dos respectivos pressupostos, dos quais a autora recorreu, sem que lhe tenha sido reconhecida razão.

Em 29 de Setembro de 2005, foi proferido acórdão pelo tribunal colectivo do círculo de Beja, e a autora, arguida no processo respectivo, foi absolvida.

A autora - que esteve em prisão preventiva desde 31.07.2004 até 26.09.2005 - tinha, quando foi detida, 43 anos de idade, era pessoa dinâmica e trabalhadora e tinha um núcleo familiar e social estável, tendo sofrido danos não patrimoniais, que especifica, decorrentes da injustificada prisão preventiva, pelos quais deve ser indemnizada em quantia nunca inferior à peticionada.

O Ministério Público contestou (fls. 450), aceitando os factos documentados nos autos e impugnando os restantes. Concluiu pedindo a improcedência da acção, com a consequente absolvição do Estado do pedido.

Foi proferido saneador-sentença, no qual a Ex.ma Juíza julgou a acção improcedente e absolveu o Estado Português do pedido.

Inconformada com tal decisão, a autora interpôs dela o pertinente recurso de apelação.

Sem êxito, porém, pois a Relação de Évora, em acórdão oportunamente proferido, julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Ainda inconformada, a autora traz agora a este Supremo Tribunal o presente recurso de revista, rematando as respectivas alegações com a enunciação das seguintes conclusões: 1ª - Com a revisão do CPP, levada a cabo pela Lei 48/2007, de 28 de Agosto, alargou-se a obrigação de indemnizar por prisão preventiva (p.p.) a situações em que se comprove que o arguido não foi o agente do crime ou que tenha agido justificadamente; 2ª - O Tribunal a quo proferiu acórdão absolutório sem se ter pronunciado sobre a nova e diversa redacção do preceito que confere o direito a indemnização por p.p.; 3ª - Atento o disposto no art. 5º do CPP, sobre a aplicação da lei processual penal no tempo, deveria o Tribunal a quo ter analisado a situação em apreço á luz da nova redacção do art. 225º do CPP, pronunciando-se quanto à verificação ou não do disposto na sua al. c), uma vez que essa nova redacção entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007; 4ª - A regra do art. 5º do CPP aplica-se aos presentes autos, apesar de se curar aqui de matéria cível, uma vez que a norma invocada pela recorrente como suporte da sua pretensão se insere no CPP e as directrizes de aplicação no tempo constantes do art. 5º são válidas para todo o diploma legal; 5ª - De todo o modo, sempre seria de aplicar a lei mais favorável (retroactividade in melius), tal como no direito penal material, por ser o art. 225º do CPP uma norma de direito material; 6ª - Não tendo apreciado o caso à luz da nova redacção do art. 225º do CPP, o acórdão recorrido incorreu em erro na determinação da norma aplicável e em omissão de pronúncia, o que determina a sua nulidade (art. 668º/1.d), aplicável ex vi do art. 721º/2, ambos do CPC); 7ª - O art. 27º, n.º 5 da CRP estatui que "A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer"; e norma semelhante existe no art. 5º n.º 5 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), aprovada pela Lei 65/78, de 13 de Outubro; 8ª - Em obediência aos citados preceitos, o art. 225º do CPP estabelece que tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos quem tiver sofrido detenção ou p.p.

ilegal, injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, ou quando venha a comprovar-se que não foi o arguido o agente do crime ou actuou justificadamente; 9ª - O acórdão recorrido concluiu pela improcedência da pretensão da recorrente quanto aos vícios apontados à sentença da 1ª instância, e que eram: (1) a existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a aplicação da medida de p.p., que continuou a existir nos sucessivos despachos que a mantiveram, e (2) a simples subsistência por um longo período da privação da liberdade que, afinal, se veio a verificar injustificada, porque a recorrente até veio a ser absolvida, assume um carácter de gravidade, penosidade e anormalidade que a esta confere o direito de ser indemnizada; 10ª - Quanto à 1ª questão, a Relação adere aos fundamentos da sentença, e conclui que não estão verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar, já que do facto da absolvição não se pode concluir que a ora recorrente não haja praticado os factos que lhe eram imputados; 11ª - Todavia, a ora recorrente não foi absolvida com fundamento no princípio in dubio pro reo; e ainda que o tivesse sido, não é correcta a interpretação, que é a do acórdão recorrido, de que esse princípio não tem que ver com o princípio constitucional da presunção de inocência, pois só uma directriz de presunção de inocência do arguido poderá justificar que a dúvida sobre a prova produzida seja valorada a seu favor; 12ª - A aplicação da medida de coacção de p.p. não viola o princípio da presunção de inocência desde que aplicada de acordo com as precauções de que o legislador rodeou a sua aplicação (medida de ultima ratio, apenas aplicada quando existam fortes indícios da prática do crime e quando absolutamente necessária para a realização dos fins do processo); 13ª - O erro grosseiro ou acto temerário na aplicação da p.p. deve ser analisado à luz de um juiz de médio saber, razoavelmente cauteloso e ponderado na aplicação e ponderação dos pressupostos da p.p. e dos efeitos nefastos que ela sempre acarreta. Um tal juiz apenas aplica essa medida quando existam nos autos FORTES INDÍCIOS da prática do crime imputado ao arguido; 14ª - Quando foi proferido o despacho que determinou a p.p. da recorrente, os indícios existentes nos autos consistiam apenas numa informação de uma pessoa que tinha visto passar uma carrinha num local de incêndio pelas 15.00/15.30 horas, as declarações do co-arguido cujo atraso mental é flagrante e que foi levado pela PJ aos locais dos incêndios antes de ter sido constituído arguido, depoimentos de testemunhas que também viram passar uma carrinha de cor branca ao final da tarde na zona dos incêndios, sendo que ambos os arguidos negaram ter cometido o crime de incêndio que deflagrou pelas 15 horas; 15ª - O Tribunal a quo entendeu que o despacho que aplicou a p.p. é rico na descrição de factos que indiciavam a recorrente como autora de crime de incêndio, mas não fez o exercício - exigível - de averiguar se tais indícios cabem no conceito de fortes indícios nos termos do art. 202º do CPC; 16ª - Ora, a avaliação da força indiciária das provas recolhidas no processo, para efeitos de aplicação de medidas de coacção, pressupõe um raciocínio de conjugação entre todos os indícios, por forma a fundamentar um juízo de prognose acerca da possibilidade de condenação do arguido no final da fase de julgamento, devendo estar sempre presente nessa avaliação o princípio constitucional da presunção de inocência; 17ª - E os indícios supra referidos não eram suficientes para que um juiz pudesse, com base neles, formar a convicção no sentido de que a recorrente pudesse vir a ser condenada - o que vale dizer que o juiz que proferiu o despacho que decretou a p.p. incorreu em erro grosseiro, pelo menos na modalidade de acto temerário; 18ª - Como também os despachos judiciais que mantiveram a p.p., proferidos em 27.08.2004, em 14.09.2004 e em 21.10.2004, incorreram no mesmo erro grosseiro, pois não existiam nos autos fortes indícios de que a recorrente tivesse praticado o crime; 19ª - E, para além disso, na data em que foi proferido o despacho judicial de 02.12.2004, que manteve a p.p.

, os indícios existentes encontravam-se já enfraquecidos pela existência de prova em contrário; 20ª - Nomeadamente, a testemunha BB veio rectificar que afinal apenas teria visto uma senhora, que podia ser a autora, já depois das 22.00 horas e não pelas 15.00 horas, como constava inicialmente (doc. 6 junto com a p.i.) e já tinham sido inquiridos CC, que confirmou ter passado a tarde com a ora recorrente, e DD, que confirmou que a recorrente jantou e esteve consigo na noite dos factos (doc. 21 junto com a p.i.); 21ª - Este despacho incorre mesmo em erro grosseiro - já nem se admite a hipótese de acto temerário - pois do incêndio que teve grandes dimensões e que deflagrou cerca das 15.00 horas deixou de existir qualquer indício nos autos; 22ª - Quando foi proferido o despacho judicial de 19.01.2005, toda a prova corria a favor da autora, já que o Tribunal já tinha o ofício da Empresa-A, que permitia confirmar que a ora recorrente estivera em Beja durante toda a tarde (doc. 25 junto com a p.i.) e, por outro lado, outras três testemunhas foram ouvidas e confirmaram ter estado com esta durante a noite dos factos (doc. 26 junto com a p.i.) - logo, nenhum indício existia...

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