Acórdão nº 3168/11.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA BB CC, e; DD, intentaram, em 21.10.2002, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – com distribuição à 14ª Vara – acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra; - Município de Lisboa.

Pediram a condenação do Réu a pagar-lhes € 919 230, 00, acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a data da citação até pagamento.

Alegaram que o Réu Município de Lisboa se obrigou a pagar aos seus antecessores, ou a quem a eles sucedesse, uma percentagem da mais valia que viesse a obter com a venda de imóvel que identificam, ou com a venda de destaques desse prédio, não o tendo feito no caso vertente.

Regularmente citado, o Réu contestou arguindo a excepção de caducidade do direito invocado, alegou que cedeu o direito de superfície a uma entidade de interesse público e que não teve qualquer mais valia, por a cedência ter tido lugar por um valor simbólico, e que as partes só previram o pagamento de mais valias para a época.

Terminou, pedindo pela improcedência da acção.

Os AA. replicaram, defendendo que não ocorre a excepção de caducidade e mantendo a sua posição.

Foi elaborado despacho saneador, julgou a excepção de caducidade improcedente, fixaram-se os factos assentes e elaborou-se a Base Instrutória (BI) Procedeu-se a julgamento e a acção foi julgada improcedente.

Os Autores recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 12.2.2008 – fls. 662 a 675 – concedeu provimento anulando a decisão recorrida para ampliação da matéria de facto, “ […] para determinar a real intenção das partes relativamente ao ponto assinalado – sentido da excepção relativa à cedência dos terrenos aos Pupilos do Exército – por se mostrar essencial para a definição do direito a aplicar no caso concreto, ainda que para o feito o tribunal utilize os poderes que lhe são conferidos na alínea f) do nº2 do art. 650º do Código de Processo Civil.” Os recorrentes, com as alegações de tal recurso, juntaram o douto Parecer de fls. 615 642, subscrito por Eminente Professor de Direito.

*** Baixado o processo foram aditados dois pontos à Base Instrutória – cfr. despachos de fls. 751 e 774 e verso – tendo-se procedido a novo julgamento, mas a acção foi julgada novamente improcedente.

*** Os Autores recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 17.5.2012 – fls. 1335 a 1367 – rectificado pelo de 7.7.2012 – fls. 1385 a 1387 – alterou a resposta aos artigos 1.2. aditados à Base Instrutória, nos seguintes termos – “Provado apenas que acordaram mais valias de 20%, excepto no que dizia respeito ao negócio com o Instituto dos Pupilos do Exército na área não excedente a 50.000 m2”, e; - Julgou parcialmente procedente a apelação, condenando-se o Réu a pagar aos AA., título de mais valias, a quantia de 129 554 730$00 a que correspondem € 646 216,27 com juros desde o trânsito em julgado da decisão.

*** Inconformado o Réu, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando formulou as seguintes conclusões: A. Os negócios jurídicos devem ser interpretados e integrados pelo tribunal quando as partes não estão de acordo quanto ao sentido e alcance das suas cláusulas perante uma situação concreta que deva ser regulada por esse instrumento; B. Esta actividade do tribunal não tem lugar quando a interpretação pretendida por uma das partes, sobre o sentido de uma cláusula inserta em contrato lavrado em escritura pública, vai para além do significado dos termos jurídicos nela contidos; C. Esse excesso verifica-se quando, dispondo a cláusula que o comprador de um terreno entregará ao vendedor 20 % de mais-valias “quanto aos terrenos ou lotes de terrenos futuramente vendidos” pelo comprador, o vendedor pretenda receber mais-valias sobre a constituição do direito de superfície em parte do terreno; D. A tipicidade dos direitos reais (artigo 1306 °, n. °1, do Código Civil) opõe-se à equiparação do direito de propriedade e do direito de superfície; E. Essa equiparação não encontra qualquer correspondência no texto do contrato redigido por notório e face ao significado dos conceitos vigentes à época em que foi lavrado; F. O cuidado e o rigor com que este redige as cláusulas que exprimem a vontade das partes obrigam a que a sindicância da cláusula passe primeiro pela sindicância da actividade notarial; G. A falta de impugnação do labor notarial – que se revelaria com o incumprimento das minutas e instruções que houvessem sido transmitidas pelas partes ao notário – impede a interpretação da mesma cláusula com um sentido que não se contém na propriedade da terminologia jurídica utilizada na designação de contratos legal e socialmente típicos; H. Portanto, o sentido da cláusula referida em C. é o de que a obrigação de entregar parte das mais-valias nasce com a venda e não com a constituição de qualquer outro direito, real ou de crédito, sobre o terreno; I. Tendo o Réu constituído um direito de superfície sobre o terreno não é devida a entrega de qualquer mais-valia ao vendedor porque aquele não realizou nenhuma mais-valia; J. As mais-valias constituem ganhos de capital; K. As mais-valias ocorrem quando o valor realizado com a venda é superior ao preço de aquisição; L. Se, por absurdo, o Réu fosse obrigado a entregar aos autores mais-valias pela constituição do direito de superfície, aquelas deveriam ser calculadas sobre o preço da cedência do direito, e não sobre qualquer outro, e sem deixar de actualizar-se, como não se fez, o preço de referência para o cálculo das mais-valias; M. Tendo os Autores pretendido obter uma mais-valia com base num valor hipotético por eles inventado sobre o negócio desenvolvido pelo superficiário, não pode o nu-proprietário ser obrigado a entregar uma denominada mais-valia calculada sobre esse valor; N. Esta obrigação não tem causa, gera um empobrecimento injustificado no Réu e um enriquecimento ilegítimo a favor dos Autores; K. O enriquecimento sem causa toma-se manifestamente ostensivo quando se verifica que a putativa mais-valia – porque calculada com base num facto estranho ao contrato que vincula as partes e sobre o qual o Réu não tem qualquer controlo nem domínio nem participação – corresponde a cerca de 1.000 % do valor que o Réu vai receber pela cedência e em prestações mensais ao longo de cinquenta anos; P. A interpretação do negócio jurídico fixada pelo acórdão revidendo apenas dará expressão à pretensão dos Autores, pois, não traduz de maneira nenhuma a vontade real do Réu e cria uma obrigação com que este, legitimamente, não podia contar; Q. Essa mesma interpretação constitui uma restrição intolerável ao exercício do direito de propriedade do Réu (artigo 1306. °, n° 1, do Código Civil), criando severos obstáculos à prossecução do interesse público que lhe está cometida; R. A mesma interpretação consubstancia uma alteração ao contrato susceptível de gerar a entrega de uma segunda mais-valia quando, extinto o direito de superfície, o Ré vender o terreno; S. O acórdão revidendo produz efeitos apenas no caso concreto não vinculando para o futuro nenhum tribunal, nomeadamente quanto à consideração de que a mais-valia em que o Réu foi condenado a entregar será deduzida à mais-valia devida com a venda do terreno; T. O acórdão revidendo procedeu a uma aplicação enviesada dos artigos 236.°, 237.° e 238.° do Código Civil porque criou uma obrigação estranha à economia do contrato e que está de todo excluída da vontade real do réu no momento da sua celebração; U. Os elementos em que o acórdão se baseia para criar essa obrigação são inconsistentes, não permitem fixá-la de forma segura, sendo certo que outros abundam na economia contratual em sentido oposto; V. Assiste-se a um notório défice de fundamentação da decisão uma vez que esta se alicerça em conjecturas e hipóteses que nem foram testadas; W. O Réu não consegue compreender a decisão, uma vez que esta se afasta de um modelo de raciocínio que parta de premissas verdadeiras e conclui por uma decisão que não faz sentido; Nestes termos, deve o acórdão revidendo ser revogado e o Réu, aqui...

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