Acórdão nº 19996/97.1THLSB-K.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução03 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O cidadão nacional AA, casado, condenado no processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, n.º 19996/97, da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, encontrando-se preso no Estabelecimento Prisional da Carregueira, após entrega feita pela Autoridade Judiciária do Reino Unido, na sequência de execução de Mandado de Detenção Europeu, emitido no citado processo, em 2 de Junho de 2011, em petição subscrita por Advogada, veio, invocando o artigo 222.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, e a violação do artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 5.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, requerer a providência de “Habeas Corpus”, para tanto alinhando o seguinte somatório de razões: 1 - Da Matéria de Facto 1° O requerente está preso à ordem do processo em epígrafe, depois de ter sido extraditado do Reino Unido no dia 12 de Novembro de 2012 e de, nesse mesmo dia, ter dado entrada no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), de onde foi transferido em 15 de Novembro de 2012 para o Estabelecimento Prisional da Carregueira (EPC), onde ainda se encontra preso - Prova: fls. dos autos principais, cuja junção a este processo de habeas corpus se requer.

  1. Na sequência de um longo processo de extradição que teve inicio em Julho de 2008, o Estado português, através 4.ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa, veio a informar as autoridades britânicas que o requerente já reunia as condições para que lhe fosse concedida a liberdade condicional em Portugal, mas que ele, requerente, «tinha de regressar a Portugal para dar o seu consentimento à liberdade condicional e aceitar as condições que pudessem ser impostas» («He has to go back to Portugal to give his consent to the parole and to accept any conditíons that may be imposed») - Prova: parágrafo 26 da sentença de 12 de Outubro de 2012, do High Court of Justice, cuja junção a este processo de habeas corpus se requer.

  2. Com base nessa informação, e com base nos princípios da confiança e da boa fé entre Estados, o High Court of Justice deferiu o pedido de extradição, consubstanciado num mandado de detenção europeu, mas fixou duas condições, a saber, (1) a finalidade exclusiva para a qual, abrindo mão da soberania do Reino Unido sobre o requerente, consentia em que ele, requerente, fosse entregue a Portugal; e (2) o tempo dentro do qual consentia em que o requerente estivesse, sem mais, preso em Portugal - Prova: parágrafos 26 e 37 da sentença de 12 de Outubro de 2012, do High Court of Justice, cuja junção a este processo de habeas corpus se requer.

  3. Assim, a finalidade exclusiva da entrega do requerente pelo Reino Unido a Portugal foi a da ele, requerente, «regressar a Portugal para dar o seu consentimento à liberdade condicional e aceitar as condições que pudessem ser impostas» («to go back to Portugal to give his consent to the parole and to accept any conditions that may be imposed») - Prova: parágrafo 26 da sentença de 12 de Outubro de 2012, do High Court of Justice.

  4. Ou seja, as autoridades britânicas não deram o seu consentimento à extradição do Requerente com a finalidade, por exemplo, de que este fosse entregue a Portugal para, sem mais, cumprir pena - Prova: sentença de 12 de Outubro de 2012, do High Court of Justice.

  5. Quanto à condição do tempo dentro do qual as autoridades britânicas consentiram em que o requerente estivesse preso sem acesso a uma decisão sobre a sua liberdade condicional, o High Court of Justice determinou que tal decisão teria de ser dada «com a muito considerável rapidez que um caso deste tipo requer» («with the very considerable expedition that a case of this type requires») e, designadamente, que «não pode haver dúvida de que a questão da liberdade condicional deve ser julgada por um tribunal dentro de um período de tempo medido em dias e não em semanas» («there can be no doubt that the íssue of parole could be heard by a court within a period of time to be measured in days rather than weeks») - Prova: parágrafo 37 da sentença de 12 de Outubro de 2012, do High Court of Justice.

  6. O Estado português aceitou sem reservas essas condições e providenciou pelo regresso a Portugal do ora requerente, a 12 de Novembro de 2012, 8.° Porém, volvidos mais de um mês e duas semana (sic), até à presente data, o Estado português, mantém o requerente preso sem definição e não tem sequer uma previsão da data em que o requerente terá acesso à decisão sobre a liberdade condicional - Prova a dos autos, onde contas (sic) apenas uma liquidação provisória da pena que inclui somente o tempo cumprido em Portugal (há (sic) data 6 anos, 1 mês e 14 dias, ou seja, muito mais de metade da pena a que foi condenado) mas sem ter em conta os 4 anos, 4 meses e 6 dias em que o ora requerente esteve preso no Reino Unido, em estabelecimento prisional e/ou no regime de permanente na habitação (sic).

    2 - Da Matéria de Direito 9.° Além de regido por outra legislação, o acto da entrega do preso ora requerente pelo Reino Unido a Portugal rege-se pelos princípios de direito internacional público, incluindo o princípio do consentimento, o princípio pacta sunt servanda e pelo princípio da boa fé (Ian Brownlie, Principles of Public International Law, 6.ª edição, Oxford, 2003, pp. 18 e 591-592).

  7. Os princípios de direito internacional - compreendendo o (sic) referidos princípios do consentimento, pacta sunt servanda e da boa fé - são lei interna portuguesa, pois o artigo 8.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa [CRP] expressamente prescreve: «os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.» 11.° No caso, o Estado português tem incumprido as condições de finalidade e tempo determinadas pelas autoridades do Reino Unido, na sentença de 12 de Outubro de 2012, do High Court of Justice.

  8. Tal incumprimento do Estado português é ilegal, por violação dos princípios do consentimento, pacta sunt servanda e da boa fé, que são lei interna portuguesa, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, da CRP, onde se prescreve: «os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.» 13.° Donde resulta que a situação dos autos constitui o duplo fundamento da providência do habeas corpus das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 222.° do Código de Processo Penal: situação de ilegalidade da prisão, que se mantém para além do prazo fixado na lei, havendo também violação do artigo 27.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 5.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    Nestes termos, requer seja determinado, mediante comunicação por fax, que a 4.ª Vara Criminal de Lisboa providencie o que lhe couber para que cesse a prisão do requerente.

    ******* O Ministério Público junto da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, a fls. 5, emitiu parecer nestes termos: «Vem AA pela Terceira vez, formular pedido de habeas corpus, invocando agora, não ter sido observada a finalidade de entrega pelas Justiças do Reino Unido, e estar excedido o período temporal durante o qual se poderia manter preso. Dispõe o artigo 222° do CPP Artigo 222.° Habeas corpus em virtude de prisão ilegal 1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

    2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

    Ora, a prisão do requerente, em cumprimento de pena, resulta de condenação pelo Tribunal Competente, devidamente transitada, tendo sido executada com cumprimento de Mandados de Detenção Europeus.

    O prazo de cumprimento da pena ainda não decorreu, conforme resulta do respectivo cômputo, a fls. 6861 a 6863, 6873 a 6878 dos autos.

    Não se verificando os pressupostos da citada norma, o Ministério Público mantém o parecer já formulado nos anteriores pedidos, entendendo que também este deverá improceder.

    Para que o STJ ajuíze da validade do pedido, promovo de instrua com liquidação de pena de fls. 6861 a 6863, 6873 a 6878 dos autos, bem como dos elementos que constam da certidão de fls. 19 do Apenso H (habeas corpus)».

    ****** O Exmo. Juiz da 4.ª Vara Criminal do Tribunal de Comarca de Lisboa exarou a informação a que alude o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a fls. 5 verso e 6 deste processo, consignando: «O arguido AA apresentou, no dia de ontem (26 de Dezembro de 2012), petição de providência de Habeas Corpus invocando não ter sido observada a finalidade de entrega pelas autoridades do Reino Unido e estar ultrapassado o período durante o qual o arguido se podia manter preso.

    Por acórdão cumulatório datado de 25 de Maio de 2009, já transitado, o arguido foi condenado na pena única de 11 anos e 6 meses de prisão.

    Da análise dos autos há que descontar o período de 6 anos de prisão que o arguido já cumpriu.

    Conforme se constata de fls. 6861 a 6863 e 6873 a 6878, 6922, 6943 a 6968, 6971 e 6972, 6973 e 6973 v., dos autos, o prazo de cumprimento da pena de prisão ainda não decorreu.

    A liquidação da pena foi homologada provisoriamente dela constando como fim da pena a data de 12 de Maio de 2018, como dois terços da pena a data de 12 de Julho de 2014 e como cinco sextos da pena a data de 12 Junho de 2016.

    O arguido encontra-se em cumprimento de pena, resultante daquela condenação, tendo sido executada com cumprimento de Mandados de Detenção Europeus, nada nos autos indicando estar o mesmo em prisão ilegal.

    É quanto me cumpre informar Vossas Excelências.

    Instrua com cópia das folhas supra indicadas bem como dos elementos que...

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