Acórdão nº 08S717 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução28 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 4 de Abril de 2005, no Tribunal do Trabalho de Setúbal, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CAFÉS N..., S. A., pedindo: a) se declare a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho e a existência de um contrato de trabalho sem termo; b) se declare a ilicitude do despedimento de que foi alvo; c) se condene a ré a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e a reintegrá-lo, com a categoria e a antiguidade devidas; d) a título subsidiário, caso se entenda existir um contrato a termo, se declare a ilicitude do fundamento invocado para a sua celebração; e) ainda a título subsidiário, caso se conclua pela existência de um contrato a termo, se declare a exclusão da cláusula contratual relativa ao termo, por ausência da sua prévia e atempada informação; f) se condene a ré a pagar-lhe € 20.0000, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

A acção, contestada pelo réu, foi julgada parcialmente procedente, tendo a sentença exarada em 1.ª instância decidido nos termos que se passam a transcrever: «a) julgo nulo, no momento da renovação, o termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré e, em consequência, ilícito o despedimento [de] que aquele foi alvo; b) condeno a Ré a reintegrar o Autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 142.152,62 (cento e quarenta e dois mil cento e cinquenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos), a título de retribuições, férias e subsídios de férias e de Natal vencidos desde a data do despedimento até 12 de Setembro de 2006, acrescida das quantias que se vencerem a este título até ao trânsito em julgado da presente sentença, quantias às quais serão deduzidos os valores pelo Autor recebidos a título de subsídio de desemprego, tudo conforme se liquidar em sede de incidente prévio à execução da sentença; d) condeno a Ré a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), quantia à qual acrescem juros, à taxa legal, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; e) no mais, absolvo a Ré dos pedidos.» 2.

Inconformados, a ré e o autor apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado improcedentes ambos os recursos e confirmado a sentença recorrida.

É contra tal decisão que a ré se insurge, mediante recurso de revista, em que se louva em três pareceres de docentes universitários e aduz as seguintes conclusões: «Primeira Muito embora o facto de o Recorrido nada ter alegado relativamente às questões substanciais atinentes à renovação do contrato a termo não impedir o Tribunal de se pronunciar relativamente a essa matéria, o Recorrido tinha o ónus de provar que a estipulação do termo na renovação visava iludir as disposições que regulam o contrato sem termo, o que aquele claramente não fez.

Segunda O Acórdão recorrido não atendeu às características especiais inerentes à fundamentação para o termo no contrato sub judice, manifestando um entendimento segundo o qual todos os fundamentos para todos os contratos a termo devem ser encarados de forma rigorosamente igual.

Terceira O Acórdão recorrido aplica um princípio que é indiscutivelmente correcto para as situações ditas "normais", eventualmente a maioria, ou seja, para aquelas que se fundamentam numa situação efectivamente temporária (uma substituição, uma tarefa, etc.) em que o fundamento tem que se verificar não somente no momento da celebração, mas também em todas as eventuais renovações.

Quarta Todavia, a situação sub judice é distinta: trata-se de um contrato a termo celebrado por "razões empresariais relacionadas com a diminuição do risco de determinadas actividades", um caso de "contratação a termo como meio de redução do risco empresarial estando em causa uma inovação ou uma actividade que não se insere no objecto corrente da empresa empregadora", normal em "situações de motivação empresarial não corrente", quando "a contratação a termo tem grande interesse como forma de diminuir o risco associado um projecto empresarial novo". No fundo, em síntese, poder-se-á dizer que, neste caso, a contratação a termo poderá ser encarada como um incentivo ao investimento.

Quinta O Acórdão trata de forma igual situações que são manifestamente desiguais: a dos contratos a termo actualmente previstos nos n.os 1 e 2 do art. 129.º (satisfação de "necessidades temporárias" do empregador) e os do n.º 3 do mesmo artigo (casos em que, "além das situações" anteriores, podem ainda ser celebrados contratos a termo). Ao fazer este tratamento igual, o tribunal, em termos práticos, acaba por impedir qualquer renovação nos casos previstos no n.º 3.

Sexta Nestes contratos - os celebrados ao abrigo do disposto da al.

  1. do n.º 3 do art. 129.º do C.T. e da al.

  2. do n.º 1 do art. 41.º da LCCT - não estão obrigatoriamente em causa necessidades transitórias ou temporárias de trabalho - podem, sem qualquer oposição da Lei, estar envolvidas necessidades permanentes da empresa.

    Sétima É o próprio legislador quem "permite" e prevê que a abertura de um novo estabelecimento se estenda entre seis meses e dois anos. Observando-se este prazo, não compete aos julgadores apreciar se a laboração do estabelecimento está ou não "iniciada", se "continua" ou não "continua" (o que, aliás, seria extremamente dúbio ou mesmo impossível). Não há, pois, que alegar e indagar se se mantêm, ou não, os motivos que justificaram a sua renovação: o critério é objectivo. É o critério da lei e dentro destes dois anos, não é concedida margem para analisar "se ainda há projecto, sobre estudos de viabilidade económica" e tudo o mais que a este respeito consta nas decisões proferidas nesta acção.

    Oitava Para além do que ficou acima dito, até foram os próprios contraentes (uma empresa do ramo e um trabalhador do ramo) que consideraram, ab initio, que a abertura de um estabelecimento do ramo poderia demorar um ano ou um ano e meio, de nada valendo o recurso a supostas presunções ou indícios para concluir de forma diversa.

    Nona Provada que está a justificação inicial (como foi cabalmente), tal prova tem como que um "prazo de validade" de dois anos, não sendo necessário repetir a mesma aquando das renovações. A justificação é "automática" e objectiva, com um máximo de dois anos.

    Décima Se, em lugar de ter sido celebrado um contrato por doze meses prorrogável por seis (como logo desde início se previu), tivesse sido celebrado um contrato por dezoito meses (o que parece lógico também seria aceite pelo Recorrido, porventura até de uma forma mais entusiástica), ou mesmo por dois anos, neste caso (julgando-se válida, como se julgou, a estipulação inicial do termo), o contrato a termo também seria indiscutivelmente válido. Não faz sentido julgar de forma diferente as duas situações, até porque, em caso de renovação, o contrato é sempre só um e o mesmo.

    Décima Primeira No caso em apreço, os julgadores estão a ser mais exigentes do que o próprio legislador e, com isso, estão a coarctar um direito fundamental do empregador, que lhe é conferido por lei.

    Décima Segunda Ficaram devidamente preenchidos os requisitos formais e (provados) os requisitos materiais que levaram à celebração do contrato a termo em apreço.

    Décima Terceira O contrato a termo celebrado entre a Recorrente e o Recorrido e a respectiva renovação são válidos. A carta destinada a comunicar a caducidade do contrato foi atempadamente remetida e produziu todos os efeitos legais. O contrato a termo cessou legalmente, por caducidade.

    Décima Quarta O Recorrido não foi despedido ilicitamente.

    Décima Quinta Salvo o muito devido respeito e a melhor opinião de Vossas Excelências, considera a Recorrente que o Acórdão interpretou e aplicou de forma menos correcta o disposto nos arts. 342.º do C.C., 41.º, 42.º, n.º 3, da L.C.C.T., 3.º, n.º 2, da Lei 38/96 e 129.º do Código do Trabalho, que deveriam ter sido interpretados e aplicados da forma defendida nestas alegações.» Termina pedindo que o recurso seja «julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se a recorrente de todos os pedidos deduzidos pelo recorrido, em virtude de o contrato de trabalho a termo certo ter licitamente terminado a sua vigência por caducidade, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!» O autor contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado, e requereu a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do preceituado nos n.os 1 e 2 do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, ao abrigo das seguintes conclusões: «I. Os presentes autos versam sobre um intenso drama humano de quem foi convidado de forma insistente para vir trabalhar para a sociedade Recorrente, a quem foi proposto um contrato de trabalho sem termo, e que foi aceite.

    1. Tendo deixado o seu anterior emprego (era um quadro superior da D... Cafés), o ora Recorrido iniciou as suas funções na sociedade Recorrente e, decorridos cerca de três meses, foi-lhe apresentada uma minuta do contrato de trabalho a termo.

    2. O presente recurso versa, de forma sucinta, sobre a necessidade, ou não, da sociedade Recorrente ter que demonstrar a verificação dos elementos substanciais justificadores do recurso a um contrato de trabalho a termo, aquando da renovação do mesmo (cfr. al.ª a), do n.º 3, do artº 129.º e n.º 3, do artº 140.º do C.T.).

    3. O Autor, ora Recorrido, contrariamente ao referido pela sociedade Recorrente, sempre alegou a inexistência dos fundamentos substanciais relativos à renovação do contrato de trabalho em apreço, conforme consta dos artigos 6.º, 7.º, 46.º, 47.º, 83.º e seguintes, da P.I. onde se refere, de forma expressa, a tais elementos (como por ex.: de que se tratava de um mercado em que a N...[i], S. A., operava - de referir que os consumos do ano anterior atingiram ultrapassaram...

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