Acórdão nº 99/05.3TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2012
Magistrado Responsável | ABRANTES GERALDES |
Data da Resolução | 17 de Maio de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - S... - COMERCIALIZAÇÃO de AUTOMÓVEIS, Ldª, propôs acção declarativa, sob a forma ordinária, contra C... - VEÍCULOS LIGEIROS, SA, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 490.411,13, a título de indemnização de clientela e de juros vincendos, e a que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de indemnização.
Alega que celebrou com a R. um contrato concessão comercial pelo qual esta lhe atribuíra a distribuição automóvel da marca S..., de que era importadora, na zona do concelho da Amadora A R. accionou a cláusula de rescisão do contrato de concessão, tendo a A. direito a ser indemnizada em função da clientela entretanto angariada.
Além disso, a R. comunicou aos clientes que a A. angariara que esta iria cessar a sua actividade, informação que era falsa e enganadora, já que o fim da concessão não inviabilizava outras actividades da empresa, induzindo em erro o universo de clientes, o que lhe gerou graves perdas.
A R. contestou e alegou que era vontade que a A. integrasse a rede de concessionários da S..., em novos moldes, mas a A. não se mostrou interessada.
O contrato foi denunciado pela R. pelo facto de existir um novo regulamento comunitário aplicável ao sector automóvel, sendo necessário reajustar os contratos, o que a A. se negou a fazer.
A A. só não é concessionária da marca S... porque o não quis ser e, além disso, continua a auferir proventos, já que continua a prestar assistência técnica e a reparar veículos S..., mantendo os clientes angariados.
A clientela angariada durante o período da concessão foi sobretudo resultado de investimentos da R. em publicidade e promoção, dos quais também a A. beneficiou.
Cessado o contrato, não houve qualquer benefício adicional para a R., não foi estabelecido outro concessionário na zona geográfica da anterior concessão e não houve vendas nessa área, pelo que não estão reunidos os pressupostos de atribuição da indemnização de clientela.
Ao rejeitar o novo contrato de concessão com a R., a A. causou-lhe prejuízos consistentes nas vendas e nos negócios que deixou de poder realizar, pretendendo que a A. reconvinda seja condenada no pagamento da quantia de € 58.828,18.
A A. replicou.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. no pagamento da quantia de € 150.000,00 e juros de mora, por indemnização de clientela, e na quantia a liquidar a título de responsabilidade civil extracontratual. Foi ainda julgada improcedente a reconvenção.
A R. apelou, tendo a Relação reduzido a indemnização por clientela para € 75.000,00 e revogado a sentença na parte em que condenou a R. a pagar a quantia a liquidar subsequentemente.
A R. interpôs recurso principal de revista e concluiu que: 1) A indemnização de clientela remunera o agente/concessionário pela mais valia que traga ao principal/concedente, pelo benefício considerável pela clientela angariada por ele que o principal vai obter após a cessação do contrato; 2) Nenhuma matéria existe nos autos que permita discernir quais os efeitos benéficos na A. da actividade da R., mormente que clientes da A. da área onde actuava se transferiram após a cessação do contrato, para a área da R., directa ou indirectamente, pelo que não deve ser reconhecido o crédito da A.; 3) Tendo em conta que os clientes têm de ser habituais ou fixos e novos, sendo ainda necessário que o benefício quantitativo ou qualificativo resulte da actividade do agente, sendo o benefício considerável após a extinção e não resultando demonstrado nenhum destes critérios, deve improceder a indemnização de clientela; 4) O livre exercício da liberdade de contratar terá, necessariamente, como limite, os ditames da boa-fé na fase de negociações e deverá ceder quando seja atentatória de tal boa-fé, o que se verificou nos autos, recaindo, por isso, na A. a obrigação de indemnizar a R. pelos prejuízos causados, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 562° do CC; 5) Tendo resultado provado que a R., por força do Regulamento Comunitário 1400/02, denunciou o contrato de concessão celebrado com a A., o que nunca foi posto em causa por esta e que a informou e participou em todas as reuniões promovidas pela R. com vista à efectivação do novo contrato de concessão, chegando-se ao ponto de a R. lhe entregar os respectivos textos do contrato prontos a colher apenas a assinatura da recorrida, quando, pelo menos, relativamente ao serviço de pós-venda, estava a negociar com a B... CAR SERVICE, é forçoso concluir, à luz dos mais elementares princípios da boa fé e atento o estado das conversações entre as partes, que tudo apontava claramente para o interesse da A. na conclusão dos contratos, tendo sido omitido da R., enquanto decorriam tais conversações, quanto ao serviço pós-venda, o contrato celebrado com a B... CAR SERVICE, facto que, por si só, é altamente revelador da má fé com que A. negociou para agora pretender beneficiar de uma indemnização de clientela; 6) Ao actuar da forma como o fez em sede de conclusão do novo contrato, a A. colocou-se propositadamente numa situação para que depois pudesse vir exigir uma indemnização de clientela, porquanto a sua estratégia foi ganhar tempo, mantendo conversações com a R., em que aparentava um falso interesse em celebrar os novos contratos de concessão (venda de veículos novos) e de serviço autorizado (assistência pós-venda), quando, na verdade, a A. nunca esteve verdadeiramente interessada em continuar a ser concessionária S..., por sempre ter pretendido, sem, no entanto, o evidenciar expressa ou tacitamente, reclamar uma indemnização de clientela, tudo para que a R. não resolvesse o contrato celebrado por incumprimento da A. antes da data em que se produziriam os efeitos da mencionada denúncia; 7) Com tal actuação, a A. causou prejuízos à R. dos quais deve ser indemnizada, a título de pedido reconvencional, porquanto o que subjaz a esse pedido foi a forma súbita como a A. decidiu não mais continuar a ser concessionária e serviço autorizado da R., o que impediu, desde logo, a R. de, com a necessária antecedência, a substituir por outra empresa; 8) O cômputo dessa indemnização tem por base as vendas de veículos, peças e acessórios que a A. realizou em 2003 e, relativamente aos anos de 2004, que a R. estimaria que a A. vendesse; 9) O acórdão recorrido julgou mal a verificação do requisito plasmado na al. b) do n° 1 do art. 33° do Dec. Lei nº 178/86, porquanto as vendas na área da concessão pura e simplesmente não existiram após a cessação do contrato, até à nomeação de novo concessionário, sendo ainda de relevar que a clientela não se transferiu para outros concessionários mais próximos da área anteriormente concessionada à A.., tanto mais que, como resultou provado, nos dois concessionários da R. mais próximos das zonas onde a A. desenvolveu a sua actividade, a saber, em Lisboa, através do concessionário Cimpomotor Lisboa, entre 2003 e 2004 houve um decréscimo das vendas em 16%, ou seja, foram vendidos menos 20 veículos novos e em Cascais, através do concessionários Cimpomotor Atlântico, entre 2003 e 2004, o decréscimo de vendas foi ainda maior, cifrando-se em 20,3%, ou seja, vendeu menos 13 veículos novos, sendo ainda de relevar que, tal como resultou provado, a A. continuou a encomendar peças da marca S... aos concessionários da R., o que significa, sem mais considerações, que a A. continuou a retirar benefícios dessa clientela: 10) A admitir-se o reconhecimento do direito da A. à indemnização da clientela, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, tenha-se em conta que a R., em virtude das encomendas a si efectuadas pela A., apenas conhece as identidades e moradas dos clientes que tenham adquirido veículos novos e a A. continuou a prestar assistência técnica ao veículos da marca S..., termos em que se impõe concluir que a A. continuou a beneficiar da mais valia da clientela angariada, pelo que se encontra satisfeita a génese da atribuição da indemnização de clientela, nada mais lhe sendo devido; 11) Assim, deve excluir-se a indemnização de clientela, ou, caso se mantenha o seu propósito, deve ser reconhecido que se encontra satisfeita a génese da atribuição da indemnização de clientela, nada mais lhe sendo devido e, concomitantemente, ser reconhecido o direito da R. a ser ressarcida dos prejuízos que lhe foram causados pela forma súbita como a A. comunicou à R. a sua decisão de não mais continuar a ser concessionária, operando-se a devida compensação.
Houve contra-alegações.
A A. interpôs recurso subordinado de revista e concluiu que:
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Para angariação de clientela poderá ser possível invocar como contributo atribuível à R. concedente, quanto muito, eventual influência de impacto da marca automóvel S... e algum reflexo, necessariamente colateral e esporádico, verificável, na zona de concessão, a emergir da publicidade que a R. concedente haja produzido para tal marca, abrangente de todas as concessões congéneres, em todo o país.
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Enquanto que, por parte da A. concessionária, temos um trabalho constante, eficiente eficaz e profícuo, ao longo de 13 anos, prestado em regime de exclusividade para a marca automóvel S... e para a R. concedente, com empenho e envolvimento na promoção e divulgação dessa marca, proporcionando-lhe publicidade, persistente e variada, formando pessoal à medida e em consonância com directrizes específicas da concedente, aprimorando as suas próprias instalações, melhorando-as e adquirindo outras, imprimindo a todas características condizentes com a marca, no cumprimento das exigências postas pela concedente, angariando novos clientes para a marca e fidelizando toda a clientela abrangida, posicionando-se nessa tarefa especial em lugares cimeiros das vendas, no "ranking" a nível nacional, ao ponto de, finda que foi a respectiva concessão, ter a R. concedente continuado a remeter informação promocional a clientes conquistados pela A. concessionária e, assim, tendo aquela logrado, em termos...
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