Acórdão nº 4914/07.9TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Março de 2012
Magistrado Responsável | FERNANDES DA SILVA |
Data da Resolução | 29 de Março de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – 1.
AA, residente na Rua …, …, com os demais sinais dos Autos, veio intentar contra: “BB, Ld.ª”, com sede na Rua ..., em Lisboa, a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que se anule a sanção disciplinar de despedimento com justa causa e se condene a Ré a compensá-la no valor das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito da sentença e a pagar-lhe € 1.500,00 de indemnização por danos patrimoniais e € 35.000,00 por danos não patrimoniais, com juros.
Para o efeito alegou, em resumo útil, que trabalhou para a Ré como Técnica Superior de Higiene e Segurança, desde 14.1.2002, sempre desempenhando as suas funções de modo exemplar.
Porém, em 2 de Julho de 2007, foi notificada da decisão de despedimento depois da instauração de um processo disciplinar inválido, cuja existência de justa causa impugna, considerando mesmo abusiva a sanção de despedimento aplicada.
Na contestação a Ré reiterou os factos imputados à Autora na nota de culpa, bem como a existência de justa causa e concluiu pela improcedência da acção.
Após a realização da Audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente, porque parcialmente provada, declarando ilícito o despedimento da A., que anulou, e condenando a Ré, em conformidade, a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, mais a condenando a pagar à A. a quantia de € 49.416,56 (quarenta e nove mil e quatrocentos e dezasseis euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, somada das quantias que se vierem a vencer pelo mesmo título (art. 437.º do CT aprovado pela Lei 99/2003) até ao trânsito em julgado da decisão final do processo.
Condenou por fim a Ré a pagar à A. a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença relativa ao pagamento de todas as despesas decorrentes dos presentes autos, incluindo os honorários da mandatária da A.
2. A Ré, inconformada, interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe concedeu provimento, julgando procedente o recurso interposto e revogando a sentença recorrida por se considerar que existiu justa causa no despedimento efectuado, com a consequente absolvição da R. dos pedidos contra si formulados, tudo conforme dispositivo do Acórdão, a fls. 498.
É ora a A. que se insurge contra o assim decidido, mediante a presente Revista, cujas alegações remata com a formulação deste quadro conclusivo: «1ª - Atentas as provas carreadas nos presentes os autos, e considerando o conteúdo do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência e cumprir as ordens e instruções do empregador no que respeite à execução e disciplina do trabalho, entende a Recorrente que não foi violado nenhum dos deveres de que a mesma vem acusada.
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- Assim considera-se falta de zelo e diligência o caso em que "(...) o trabalhador cumpre o seu dever principal sem atender a determinados parâmetros de diligência,(...) A falta de zelo e a negligência têm de ser aferidas por parâmetros objectivos, segundo o padrão do bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, variando em função da actividade a desenvolver." - cfr. Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., p. 455. (sublinhado nosso).
"Assim, a actuação do trabalhador será diligente se corresponder ao comportamento normalmente exigível para aquele tipo de trabalhador, naquela função em concreto".
- cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho Parte II, cit., p. 355.
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- Foi exactamente nestes termos que o Tribunal de 1.ª instância fez uma correcta aplicação dos factos ao direito, e considerou e bem que a Recorrente nos dias 21, 22, 23 e 26 de Fevereiro efectuou 10 vistorias, apenas ficando livre para elaborar os relatórios a partir de dia 27 de Fevereiro. Considerou ainda que não podendo aplicar uma métrica de 3 relatórios ao dia, não se pode acusar a Recorrente de ter o serviço atrasado a partir dos primeiros dias de Março de 2007. Acresce ainda o facto de desde dia 15 de Março até 23 de Maio esteve com baixa médica.
Em face dos factos apurados e após uma correcta aplicação dos normativos de direito ao caso em apreço o tribunal de 1.ª Instância considerou que não existiu desobediência no que concerne à conclusão dos relatórios que justificasse uma violação grave do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, e de que cumpriu as ordens e instruções do empregador no que respeite à execução e disciplina do trabalho conforme de seguida se transcreve: "Os factos apurados não se integram inteiramente na versão da Ré. No que toca ao primeiro bloco, a A. faz 9 vistorias a empresas no Norte, em 21, 22 e 23 de Fevereiro de 2007, uma 10.ª em 26.2.2007, em Alverca, uma 11.ª em 6.3.2007 e uma 12.ª em 13.3.2007. Notar-se-á que 25 e 25 (sic) de Fevereiro de 2007 foram Sábado e Domingo. Ou seja, em rigor, só a partir de 27.2.2007 é que a A. não teria vistorias e podia fazer os relatórios. É certo que quando voltou ao serviço, em Maio 24, no dia a seguir completou 3 relatórios. Mas isto não nos diz, ou melhor, o Tribunal não apurou, porque também não foi alegado nem falado, se todos os relatórios e vistorias eram da mesma complexidade. O mais natural era que não fossem, porque é de esperar que as empresas não sejam todas iguais nem estejam no mesmo estado e portanto que seja diferente a complexidade ou tempo de elaboração dos relatórios respectivos, ou seja, não podemos aplicar uma métrica de 3 relatórios ao dia para acusar a A. de ter o serviço atrasado a partir dos primeiros dias de Marco de 2007." Isto significa que não se pode afirmar uma desobediência relativamente a não elaboração dos relatórios, porque o facto de deverem ser logo entregues, este "logo" é bastante relativo sobretudo quando a A. passa dias e dias seguidos fora da sede a fazer vistorias, e sobretudo porque esse "logo" tem um limite que é o de 30 de Abril, data em que as empresas têm de apresentar os relatórios no ISHST (facto sub 16, supra). E até essa data havia cem relatórios para fazer. O que quero significar é que se a A. fica doente em 15 de Março, não podemos dizer com rigor que já estivesse atrasada, apesar de termos como provado que os relatórios deviam ser logo entregues.
" "Aquilo, o da A. estar doente e dever considerar-se tão morta quanto Inês, sendo ainda certo que é crime a profanação de cadáver, leia-se, sendo ainda certo que não se pode sequer falar a um doente, a menos que seja para lhe desejar as melhoras, significa também que todo o terceiro bloco de suposta ilicitude se resolve — para os efeitos deste processo onde apenas sabemos aquilo que as partes nos trouxeram — no seu contrário, isto é, a conduta da A. não tem absolutamente nada de ilícito.
" (sublinhado e negrito nosso).
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- Já quanto ao cumprimento das ordens e instruções do empregador no que respeite à execução e disciplina do trabalho, importa ter em consideração que sendo o dever de diligência "o grau de esforço exigível para determinar e executar a conduta que representa o cumprimento de um dever" (Pessoa Jorge, in ‘Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil’, p. 76), podemos assim questionar-nos se "(...) O trabalhador pode recusar-se a realizar actividades laborais, alegando que tal sobrecarga de trabalho irá prejudicar o grau de diligência exigível para a execução da prestação de trabalho? Entendemos que sim, porquanto o trabalhador não está vinculado a realizar a prestação de trabalho em moldes que ultrapassem o humanamente exigível; por outro lado, como já vimos nas anotações à alínea c), do art. 120.º, a entidade patronal tem o dever de fornecer "boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral", mormente abstendo-se de sobrecarregar o trabalhador com um número excessivo de tarefas, o que faria relembrar os momentos áureos da escravatura." (Paulo Quintas e Hélder Quintas, in ‘Código do Trabalho Anotado e Comentado’, p. 326).
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- Assim, importa enfatizar o mencionado na sentença de 1.ª instância quanto ao número de relatórios que se encontravam pendentes, cerca de cem, sendo que a Recorrida apenas detinha uma técnica, conforme esta assume, quando deveria ter no mínimo três, já que se encontrava em processo de certificação, e acresce o facto de nos meses de Março e Abril o volume de trabalho aumentar, conforme ficou provado, já que é necessário remeter os relatórios anuais às empresas clientes da Recorrida.
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- Todavia o Acórdão aqui em crise considerou que a elaboração de todos os relatórios, bem como as deslocações para os clientes da Recorrente e o tempo que foi dispendido em cada uma das vistorias ser razoável e que competia à Recorrente ter os relatórios concluídos no início de Março. Por outro lado, entendeu e bem o Tribunal da 1.ª instância, posição sufragada pela ora Recorrente, que tais ordens implicam um esforço extremo para qualquer trabalhador colocado na posição de um bom pai de família e como tal ser perfeitamente aceitável o suposto "atraso" apenas de alguns dias na conclusão dos mesmos. Salvo o devido respeito, que é muito, não se afigura razoável, sem alegações, provas e assim, quaisquer elementos, que o tribunal recorrido possa formular juízos de apreciação quanto à gestão do tempo e organização do trabalho da Recorrente in casu, quando, salvo distinta opinião, o que releva reter é o elemento factual existente a apreciar: a Recorrente, quando inicia a sua situação de baixa médica, estava em tempo de cumprir com os prazos em causa.
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- O atrás referido deve, para efeitos da boa apreciação, ser indissociável do que nos parece inquestionável e não está a ser atendido pela decisão ora posta em crise, e que é o facto da situação de baixa médica ser um motivo de falta justificada e não imputável à trabalhadora. E tal bem apreciou o tribunal de 1.ª instância, porém, não mereceu...
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