Acórdão nº 1239/03.2GCALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

O arguido AA, casado, pedreiro, nascido em 26-02-1965, na Caparica – Almada, filho de J...G...P... e de Z ...de J...C...P..., residente na ..., respondeu no processo em epígrafe, no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Comarca e de Família e Menores de Almada, sob a acusação de ter praticado, como autor material, na forma consumada, um crime de homicídio, p. e p. pelo artº 131º do CPenal.

A final, foi condenado pela prática do referido crime, além do mais, na pena de 9 (nove) anos de prisão.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo acórdão de fls. 1988 e segs., de 12 de Outubro último, julgou improcedente o recurso e, consequentemente, confirmou o acórdão da 1ª instância.

Ainda inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões que transcrevemos: «1.

A sessão do julgamento, ocorrida no dia 11 de Junho de 2007, é insanavelmente nula, por não ter sido realizada com a presença do arguido.

2.

De harmonia com o previsto no art.° 333.° n.° 1 do CPP, tal só poderia suceder depois de o tribunal tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e se considerar que não é absolutamente indispensável a respectiva presença para a descoberta da verdade material.

3.

A presença do ora recorrente era, tanto mais, necessária, uma vez que a comunicação da alteração substancial de factos a que o tribunal procedeu devia, obrigatoriamente, de ser realizada na sua própria pessoa, não podendo sê-lo na pessoa de defensor oficioso nomeado para o acto.

4.

Sendo, de resto, inconstitucional, por violação do disposto no art.° 32.° n.ºs 1 e 6 da CRP, a interpretação dos art.°s 61.° n.° 1 als. a), d) e e), 63.° n.° 1, 119.° al. c) e 359.° n.° 2, todos do CPP, segundo a qual o defensor oficioso nomeado para o acto possa tomar essa decisão em nome do arguido.

5.

Pois que tal interpretação é manifestamente violadora das garantias de defesa do arguido, permitindo que decisões essenciais, susceptíveis de afectar os seus direitos fundamentais, mormente a forma como entende orientar a sua defesa, possam ser tomadas à sua revelia e do seu defensor constituído.

6.

A primeira instância estava igualmente impedida de proceder à alteração substancial dos factos e à alteração da sua qualificação jurídica antes de terminar a produção da prova.

7.

Pois que tal procedimento é contrário ao previsto no art.° 365.° n.° 1 do CPP.

8.

Conclui-se, por isso, que a decisão então tomada quanto à matéria de facto é necessariamente nula, de harmonia com o disposto no art.° 120.° n.° 2 al. d) do CPP.

9.

Tal decisão, bem como a relativa à alteração da qualificação jurídica, são igualmente nulas, por omissão de fundamentação, de harmonia com as normas conjugadas dos art.os 374.° n.° 2 e 379.° n.° 1 al. a), ambos do CPP.

10.

Além do que se considera inconstitucional, por violação do disposto no art.° 205.° n.° 1 da CRP, a interpretação dos art.°s 97.° n.° 4 e 374.° n.° 2, ambos do CPP, subjacente ao despacho recorrido, segundo a qual a decisão de alterar a factualidade constante da pronúncia, nos termos do n.° 1 do art.° 359.° do CPP, não carece de ser fundamentada, de facto e de direito.

11.

O acórdão recorrido é nulo, nos termos do art.° 379.° n.° 1 al. c) do CPP, por não se ter pronunciado expressamente sobre a questão de conformidade constitucional suscitada pelo recorrente, referindo como deve ser interpretado o dever genérico de fundamentação de todas as decisões judiciais, consagrado no art.° 205.° n.° 1 da CRP.

12.

O acórdão condenatório proferido em primeira instância incorreu em violação de caso julgado, uma vez que ao tribunal estava vedado proceder à alteração da qualificação jurídica a que o Tribunal de Instrução Criminal já havia procedido, por decisão transitada em julgado, sem que se houvesse registado qualquer alteração dos factos e dos meios de prova em que ambas as decisões se fundaram.

13.

Assim, deve a referida alteração ser considerada inadmissível, excepto no que se refere à qualificação do crime como consumado.

14.

O acórdão proferido em primeira instância enferma, igualmente, da nulidade prevista no art.° 379.° n.° 1 al. c) do CPP, por omissão de pronúncia quanto à matéria alegada nos artigos 30.° a 34.° da contestação apresentada pelo arguido.

15.

Enferma, ainda, do vício previsto no art.° 410.° n.° 2 al. b) do CPP, uma vez que a matéria de facto considerada provada no ponto 15 da fundamentação é insanavelmente contraditória com a matéria constante dos pontos 1 a 12 e 16 e 17.

16.

Pois que não é possível considerar-se provado que o arguido agiu enervado, perturbado, vexado e humilhado e, do mesmo passo, que "actuou de forma livre, voluntária e consciente".

17.

A matéria de facto provada nos pontos 1 a 12 e 16 e 17 é também contraditória com a alegada intenção do arguido tirar a vida à vítima.

18.

Pois que, se fosse essa a sua intenção, o arguido não teria encostado a espingarda à vítima da forma como o fez e não teria ficado em estado de choque após o sucedido, durante vários dias.

19.

O tribunal a quo não apreciou, como lhe competia, o recurso interposto pelo arguido quanto à matéria de facto provada.

20.

Por tal motivo, feriu de nulidade o aresto sob censura, por omissão de pronúncia, de harmonia com o previsto no já mencionado art.° 379.° n.° 1 al. c) do CPP.

21.

Dos factos provados resulta que o crime de homicídio imputado ao arguido não se consumou, uma vez que o disparo não constituiu causa directa e necessária da morte da vítima.

22.

Foram as várias infecções e escaras de pressão no pavilhão auricular, região occipital, dorso, flancos, região sacro coccígea, regiões trocantericas, cotovelos, joelhos, pernas, tornozelos e calcanhares, que causaram uma sépsis à vítima e que constituíram causa directa e necessária da sua morte.

23.

O estado de saúde da vítima, embora precário, estabilizou, inexistindo nos autos qualquer indício seguro ou previsão médica de que a morte da vítima necessariamente ocorreria em consequência dos ferimentos sofridos, na sequência do disparo.

24.

A considerar-se provada a intenção de matar, sempre a conduta do arguido deveria ter sido enquadrada no tipo legal do crime de homicídio privilegiado, p. e p. no art.° 133.° do Cód. Penal.

25.

Pois que o mesmo agiu após injusta provocação da vítima e num estado de compreensível emoção violenta, factos que o tribunal a quo desvalorizou, apesar de constarem da matéria de facto provada.

26.

Ainda que assim se não entendesse, sempre a pena a ser aplicada deveria ter sido especialmente atenuada, de harmonia com o disposto no art.° 72.° n.os 1 e 2 als. b), c) e d) do Cód. Penal.

27.

Pois que a culpa do arguido e a necessidade da pena se encontram acentuadamente atenuadas.

28.

Além do que deveria tal pena ser suspensa na sua execução, por se mostrarem verificados, in casu, os pressupostos de que depende a referida suspensão, previstos no art.° 50.° n.° 1 do citado diploma legal.

29.

Ao decidir como decidiu, violou o tribunal a quo o disposto nos art.os 61.° n.° 1 als. a), d) e e), 63.º n.º 1, 119.º al. c), 333.° n.° 1, 359.° n.° 2, 365." n.° 1 e 374.° n.° 2, todos do CPP, 50.º n.º 1, 72.º n.°s 1 e 2 als. b), c) e d), 131.° e 133.º, todos do CP e 32.° n.°s 1 e 6 e 205." n.° 1, ambos da CRP».

Responderam o Ministério Público e a Assistente, BB.

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta, concluiu do seguinte modo: «1. Nas conclusões da respectiva motivação o recorrente limita-se, na generalidade, a reiterar as conclusões e fundamentos aduzidos no recurso interposto para o Tribunal da Relação, apenas se reportando directamente ao acórdão, objecto do presente recurso, proferido pelo Tribunal da Relação, as conclusões 11ª, 19ª e 20ª, sem que, nas demais, impugne o acórdão da Relação, continuando a esgrimir a sua inconformidade quanto ao decidido em 1ª instância. Por isso, 2. Segundo jurisprudência firmada, entre outros, pelos Acórdãos do STJ de 15.7.2004, P° 2005/2004, de 21.5.2003, P° 616-3ª, de 14.11.2002, P° 3092/02-5ª, de 6.6.2002, P° 1874/02-5ª, de 12.2.2002, P° 3221/02-5ª, e de 22.9.2004, Procº n° 2813/04-3ª, nessa parte o presente recurso não é admissível, por carência absoluta de motivação (art°s 411°, n° 3, 414°, n°2, e 417°, n° 6, al. a) do C.P.Penal); 3. A nulidade imputada ao Acórdão da Relação, por omissão de pronúncia sobre a questão de conformidade constitucional suscitada pelo recorrente, referindo como deve ser interpretado o dever genérico de fundamentação de todas as decisões judiciais, não se verifica, porquanto, conforme resulta do respectivo texto, o acórdão recorrido pronunciou-se expressamente, apreciou e decidiu tal questão; 4. Do mesmo modo, a nulidade de omissão de pronúncia imputada ao Acórdão da Relação, por não ter declarado a nulidade da decisão de 1ª instância que se absteve de julgar os factos invocados nos art° 30° a 34° da contestação, não os considerando provados ou não provados, não procede, porquanto o acórdão recorrido tomou posição e pronunciou-se expressamente sobre tal alegação, respaldado e em sintonia, aliás, com a jurisprudência pacifica na matéria; 5. Quando porventura se não perfilhe o entendimento de que, relativamente às demais nulidades e vícios da decisão, não ocorre, por carência absoluta de motivação, motivo de inadmissibilidade ou rejeição, também nessa parte, pelas razões doutamente aduzidas na resposta à motivação elaborada pela magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, que inteiramente se subscrevem, e no parecer que oportunamente emitimos nos autos, o recurso deve ser julgado improcedente.

6. Deve, assim, o presente recurso ser rejeitado, em parte, por inadmissibilidade, e, sempre, em todo o caso, ser negado provimento ao recurso e confirmado o acórdão recorrido».

Por sua vez, a Assistente retirou da sua resposta as seguintes conclusões: «A) Os intervenientes processuais na...

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