Acórdão nº 15/11.3YRCBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA e BB propuseram uma acção de revisão de sentença estrangeira contra CC, pedindo que seja revista e confirmada a sentença proferida em 29/8/96 pela Sala de Família do Tribunal Provincial de Luanda, Angola, que declarou que o requerido é pai dos requerentes.

O requerido contestou.

Em resumo, alegou não ter sido regularmente citado no processo em que foi proferida a sentença revidenda e que aí não foram observados os princípios do contraditório e da igualdade; que, tendo em conta o artigo 1100º nº 2, do CPC [1], e de acordo com os artigos 1873º e 1817º do CC, ao tempo vigentes, o direito dos requerentes tinha que considerar-se caduco; que não se verifica o requisito do artigo 1798º do CC; e que os requerentes actuam com abuso de direito.

Por acórdão de 6/9/11 a Relação de Coimbra julgou procedente o pedido e, consequentemente, declarou revista e confirmada a sentença de 29/8/96 da Sala de Família do Tribunal Provincial de Luanda, Angola, que declarou os requerentes AA e BB filhos do requerido CC.

O requerido arguiu uma nulidade, que a Relação rejeitou por acórdão de 8/12/11, e, a seguir, recorreu para o Supremo Tribunal.

Pediu que, revogando-se o acórdão recorrido, se negue a revisão e confirmação da sentença estrangeira por terem sido violados os artºs 22º, 23º, 56º, nº1, 31º, nº 1, 334º, 1788º e 1817º do CC, 1096º, e) e f), 1100º, nº 2, e 668º, nº 1, d), do CPC.

Concluiu, resumidamente, do seguinte modo: 1º) O acórdão recorrido é nulo, nos termos do artº 668º, nº 1, d), do CPC, por ter omitido a pronúncia devida sobre o regime de protecção dos nacionais previsto no artº 1100º, nº 2, do CPC; 2º) Verifica-se o obstáculo ao reconhecimento da sentença estabelecido no preceito indicado na conclusão anterior, pois o réu tem a nacionalidade portuguesa e de acordo com o nosso direito de conflitos a lei competente para reger a constituição da relação de filiação seria sempre a lex patriae, o que, a acontecer, implicaria uma decisão mais favorável ao recorrente (artºs 56º e 31, nº 1, do CC); 3º) Se a acção que originou a sentença revidenda tivesse corrido termos em Portugal a decisão final seria de improcedência, uma vez que segundo as normas vigentes ao tempo o prazo de propositura já teria decorrido e o direito accionado teria caducado; 4º) No processo em que se proferiu a sentença a rever não foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, o que contraria o disposto no artº 1096º, e), do CPC; 5º) A citação edital ordenada nesse processo quando era perfeitamente conhecida nos autos a sua residência conduziu a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português; 6º) Caso tivesse sido proposta em Portugal a acção improcederia, atento o disposto no artº 1798º do CC, por não estar provado que o momento da concepção ocorreu dentro dos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento dos autores ; 7º) O comportamento dos autores integra um claro abuso do direito de investigar a paternidade, que viola o artº 334º do CC por afectar os direitos pessoais e patrimoniais do recorrente, que organizou a sua vida com a mulher durante mais de 50 anos como se não tivesse filhos.

Os requerentes contra alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

Tudo visto, cumpre decidir.

II.

Fundamentação 1) Matéria de Facto Factos a considerar (transcritos do acórdão sob recurso):

  1. Os requerentes têm a nacionalidade angolana.

  2. A requerente nasceu a 10/12/54.

  3. O requerente nasceu a 25/6/60.

  4. Os requerentes são filhos de DD.

  5. A 25/9/92 os requerentes propuseram contra o requerido, residente em Portugal, uma acção especial de estabelecimento da filiação, apresentando a petição inicial que se encontra nas folhas 13 a 15, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, onde invocaram a posse de estado e alegaram que em Angola, antes de regressar a Portugal em 1961, este viveu em união de facto (com comunhão de mesa, casa e habitação) com DD, e pedem que o requerido seja citado por carta registada com aviso de recepção.

  6. Os requerentes indicaram como residência do requerido, Santa Comba Dão, R... G..., CX P... 3440, Portugal.

  7. Foi enviada carta registada com aviso de recepção para essa morada, visando a citação do requerido, a qual foi devolvida com a menção de “recusada pelo destinatário 19-1-93”.

  8. Por tal motivo o requerido foi citado editalmente, com afixação no tribunal dos editais e publicação de anúncios em dois jornais, e depois citou-se o Ministério Público.

  9. Após ter sido produzida a prova testemunhal, incluindo a prestada por carta rogatória no Tribunal de Santa Comba Dão, a 29/8/96 a Sala de Família do Tribunal Provincial de Luanda, proferiu a sentença de folhas 44 e 45, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, que declarou os requerentes filhos do requerido.

  10. Nessa sentença encontram-se provados os seguintes factos: 1.º- O Réu e a mãe dos Autores, durante cerca de oito anos, viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, como se marido e mulher fossem; 2.º- Os Autores nasceram do relacionamento mantido pelo Réu e DD, tendo esta guardado completa fidelidade àquele; 3.º- O Réu sempre se comportou e considerou como pai dos Autores e estes sempre foram considerados e tratados como filhos do Réu pelos familiares, amigos e público em geral.

  11. Essa sentença transitou em julgado.

  12. Os requerentes estão registados na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, com os assentos de nascimento que se encontram nas folhas 56 e 58, cujos conteúdos se dão aqui por reproduzidos, e em ambos os registos nada consta quanto à paternidade.

  13. O requerido é cidadão português.

  14. Aquando da propositura da acção referida em e) e do envio da carta mencionada em g) o requerido tinha...

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