Acórdão nº 22/09.6YGLSB.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução28 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Nos presentes autos de inquérito AA veio requerer a abertura de instrução [...] Termina requerendo que: Seja declarado nulo o inquérito por violação do disposto no art. 265º, n.º 1, do CPP.

Seja declarada a falsidade e a ineficácia da acta junta à acusação como documento n.º 2; Seja declarada prova proibida e, por isso, nula a prova indiciária junta com a acusação, nomeadamente os documentos n.ºs 4 e 5 ou, se assim se não entender: Seja declarada a inadmissibilidade do uso das imagens constantes destes documentos por não se tratar de crime punível com pena de prisão máxima superior a três anos; Seja proferido despacho de não pronúncia do arguido AA por inexistência de indícios bastantes da prática do crime de que vem acusado.

* Efectuadas as diligências que se consideraram relevantes importa decidir.

Assim, I Competência Entre as normas que estabelecem a competência em matéria penal determinada pela qualidade das pessoas, o artigo 11º, nº 4 do CPP, atribui ás secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça a competência para julgar processos por crimes cometidos por Juízes do Supremo Tribunal de Justiça ou equiparados. Cabe a cada juiz das secções criminais do mesmo Tribunal a competência para praticar os actos jurisdicionais relativos ao inquérito, dirigir a instrução, presidir ao debate instrutório e proferir despacho de pronúncia ou não pronúncia em tais processos (outros casos de competência penal determinada pela qualidade das pessoas são os referidos nos artigos 12 e 23º do CPP).

As normas dos artigos 11º, nº 4 e 12º nº3 do CPP, dão execução, no domínio da competência material e funcional, aos imperativos (e garantias) estatutários relativamente a magistrados.

Com idêntico perfil de referência encontramos as regras de competência relativas ao inquérito, como fase processual sob a direcção do Ministério Público nos termos do artigo 263º, nº 1, do C. P. P. Concretamente a competência está, em geral, definida no artigo 264º, nº 1 do CPP: é competente para a realização do inquérito o Ministério Público que exercer funções no local em que o crime tiver sido cometido.

Nos termos do artigo 265º, nº 1, «se for objecto da notícia do crime magistrado judicial ou do Ministério Público, é designado para a realização do inquérito magistrado de categoria igual ou superior à do visado».O artigo 266º, nº 1, por seu lado, dispõe que «se, no decurso do inquérito, se apurar que a competência pertence a diferente magistrado ou agente do Ministério Público, os autos serão transmitidos ao magistrado ou agente do Ministério Público competente», sendo que, nos termos do nº 2, «os actos de inquérito realizados antes da transmissão só são repetidos se não puderem ser aproveitados».

Conforme tivemos ocasião de referir em Acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 11 de Abril de 2007 a questão em análise tem sido objecto de tratamento uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça. Efectivamente, conforme se refere no Acórdão de 21 de Junho de 2006, a competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como "foro especial", constitui uma garantia, não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres.

A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver esta qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções (cfr. v.g. os Acs. deste Supremo Tribunal, de 24 e Maio de 1989, no BMJ, 384º-490, e de 12 de Outubro de 2000 na CJ/STJ, Ano VIII, Tomo III, pág. 202).

Nesta sequência é lógico concluir que, situando-se na qualidade funcional os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados, e sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva, nem é determinado, pela prática dos factos, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos.

O critério da determinação da competência é, assim, aquele que deriva da condição funcional no momento processualmente determinante.

Consequentemente, se a razão de ser do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados radica na qualidade funcional, sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva nem é determinado pela tempo da prática dos factos que estão em causa, nomeadamente das circunstâncias de tempo, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem, ou prossigam, actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos O critério da determinação da competência não é, assim, como em geral, o da ocorrência dos factos, mas aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante. Em suma, pois, critério de qualidade funcional - as razões de prestígio e de garantia da integridade da função - e não critério temporal ligado ao momento da prática dos factos.

É um dado adquirido a qualidade de Juiz Conselheiro no Supremo Tribunal Administrativo por parte do arguido. Porém, tal qualidade apenas emergiu processualmente num determinado momento processual em que o arguido foi identificado.

Consequentemente, falamos assim de um critério de competência cujo conhecimento inexiste inicialmente e surge de forma subsequente no processo em função de uma qualidade que só então passa a ser conhecida. A aferição inicial da competência não suscitou quaisquer reservas ou críticas, mas a conclusão da alteração da competência surgiu no decurso do processo.

Só este momento em que existe a noção da qualidade do arguido pode relevar como parâmetro da definição de uma alteração de competência. Porém, e conforme se constata da análise dos autos, logo que se constatou tal qualidade os autos foram remetidos para aferição do Magistrado competente para o inquérito.

De forma expressa pretende o arguido indicar nos autos que o assistente tomou conhecimento da sua identidade, e qualidade, logo quando da apresentação de participação.

Porém, tal circunstância é irrelevante, apenas podendo avalizar uma responsabilidade a outro nível, e relativa ao acesso indevido a dados pessoais ou á própria alegação de factos inverídicos, pois que o que importa para efeito de sindicar o juízo formulado pelo dominus do inquérito é o seu conhecimento efectivo.

No que respeita e como se referiu, nos presentes autos logo que foi conhecida a qualidade do arguido foram os autos transmitidos ao Magistrado competente, sendo certo que não se vislumbra razão pela qual os actos praticados anteriormente á transmissão não possam ser aproveitados nos termos do nº2 do artigo 266 do diploma citado.

Improcede a invocada irregularidade processual II Definidos os pressupostos que fundamentam o regime relativo á competência funcional importa agora que nos detenhamos no caso concreto com as suas singularidades:

  1. Segurança; tecnologia e videovigilância Uma das questões relevantes suscitada nos presentes autos tem como ponto fulcral a utilização das imagens obtidas através da videovigilância a qual, para além de uma aparente linearidade, coloca questões transversais ao ordenamento jurídico-constitucional e processual. Na verdade, a videovigilância surge, simultaneamente, como uma imposição das exigências de segurança; uma forma do desenvolvimento da tecnologia da segurança e também uma consequência de novas formas de abordagem do fenómeno de criminalidade Efectivamente, A segurança é um dos temas em que se reflecte com maior intensidade a forma como evoluiu o pensamento das sociedades democráticas em que nos inserimos, colocando em causa o próprio modelo de Estado que tínhamos por adquirido há largos séculos. Este, nas sucessivas conformações que apresentou, coloriu de forma diversa a noção de segurança que situou em patamares tão distintos como a tarefa do soberano, ou um direito constitucional, passando pelo direito á protecção.

    Tal constatação pressupõe, também, a conjunção de toda uma gama de novas interpelações que nos é colocada. Na verdade, o declinar do século XX continha já o esboço de resposta a questões tão prementes com as derivadas de uma globalização acelerada ou das múltiplas interpelações de uma sociedade de risco. Porém, é o 11 de Setembro que traça o limite, e marca uma mudança profunda do paradigma, com reflexos profundos nos conceitos de segurança externa, ou interna e, até, na forma de encarar os desafios que são lançados ao Estado de Direito, procurando transformá-lo num Estado onde predomine o conceito de segurança preventiva.

    Pode-se dizer que os desafios lançados pelas novas formas de criminalidade, e pelo terrorismo, colocam agora, e mais do que nunca, a questão da liberdade e segurança e do delicado equilíbrio que lhe está subjacente. Na verdade, preservamos a nossa liberdade como aquisição fundamental do catálogo de direitos que integra o Estado Moderno mas, simultaneamente, pretendemos dissipar a ansiedade que a insegurança provoca no quotidiano A segurança é um elemento essencial na vida dos cidadãos com enormes reflexos directos, e indirectos, em termos económicos ou psicológicos. A mesma segurança consubstancia-se num direito a uma situação em que cada cidadão tem por assegurada a existência de um clima de paz, e confiança mútua, que lhe permite o livre exercício dos seus direitos individuais, sociais e políticos. É um bem público, resultado da co-produção dos diversos actores...

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