Acórdão nº 06S4719 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução02 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 7 de Dezembro de 2001, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CAIXA DE PREVIDÊNCIA DO PESSOAL DOS TELEFONES DE LISBOA E PORTO, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe salários e subsídios, no valor de 5.193.400$00, e uma indemnização de antiguidade calculada em 2.053.900$00, a que acrescem juros de mora, desde 30 de Junho de 2001, até integral pagamento.

Alega, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré para exercer as funções de assistente hospitalar de estomatologia, mediante contrato individual de trabalho sem termo, em 24 de Outubro de 1983, e que, na sequência da cessação da prestação de assistência médica e medicamentosa por parte da ré, em 31 de Dezembro de 1995, e do insucesso das diligências encetadas no sentido de ser resolvida a sua situação laboral, por carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Maio de 2001, notificou a ré da cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa, com efeitos a partir do dia 30 de Junho de 2001, e com alegação de justa causa, assente na falta de pagamento pontual da retribuição na forma devida.

A ré contestou, impugnando os factos aduzidos pela autora e sustentando que sempre cumpriu as suas obrigações, concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 1.382,67, acrescida de juros de mora, desde 30 de Junho de 2001, até integral pagamento, à taxa legal.

Inconformada, a autora apelou, restringindo o recurso à parte da sentença que absolveu a ré do pagamento «de parte dos salários em atraso e da indemnização [de antiguidade] devida à Autora», tendo a Relação anulado o julgamento e actos subsequentes (apenas no que respeita à parte recorrida), a fim de o mesmo ser repetido, com vista ao apuramento de matéria em falta.

Após a realização de novo julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora «a quantia de vinte e cinco mil novecentos e cinco euros (25.905,00 €), a título de retribuições, desde 1 de Março de 1998 até 30 de Junho de 2001, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 30 de Junho de 2001, até integral pagamento».

  1. Irresignadas, a autora e a ré interpuseram recurso de apelação, a primeira, reclamando o direito à indemnização de antiguidade, a segunda, questionando o direito da autora ao recebimento das retribuições vencidas, desde 1 de Março de 1998 até 30 de Junho de 2001, tendo a Relação julgado improcedentes ambos os recursos e confirmado na íntegra a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que agora a ré se insurge, mediante recurso de revista, alicerçado nas seguintes conclusões: 1) Decidido já, em definitivo, que não há lugar à indemnização reclamada a abrigo do artigo 36.º da LCCT, uma vez que o não pagamento pontual das retribuições em causa não se ficou a dever a falta culposa da ora recorrente - que ignorava que a requisição da recorrida (que autorizara) não se tivesse concretizado - resta apenas a questão do (suposto) direito às retribuições vencidas de 1 de Março de 1998 a 30 de Junho de 2001; 2) Considerando os factos provados e o sentido da sua interpretação, resulta claro que a atitude da ora recorrida - ao pretender exigir da ora recorrente o pagamento daquelas retribuições - fere manifestamente o sentimento de justiça social, 3) Não apenas porque o vínculo contratual se manteve no interesse exclusivo da autora/recorrida - já que a subsistência dele era condição necessária (ainda que não suficiente) para ela obter, como desejava, a sua requisição ou transferência para um Centro de Saúde da ARS -, 4) Mas também porque a atitude da autora/recorrida era de molde a criar no espírito dos representantes da ré/recorrente a convicção de que aquela, coerentemente, não viria a invocar, no futuro, o incumprimento do contrato por parte desta (situação objectiva de confiança); 5) Foi nessa expectativa (boa fé) que a ora recorrente orientou a sua actuação posterior, que consistiu em abster-se de pôr fim ao contrato de trabalho, para que a recorrida alcançasse os seus objectivos; 6) Ou seja, e, em síntese: a abusiva pretensão da recorrida, ao exigir o pagamento das retribuições em causa, está em contradição frontal com o seu comportamento anterior (venire contra factum proprium), impondo--se que seja tutelada a confiança da recorrente, agredida pela espessa má fé da recorrida; 7) Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou fundamentalmente o disposto no artigo 334.º do Código Civil, pelo que, em concessão da revista, deverá ser revogado, declarando-se que não são devidos à recorrida, outros montantes que os já reconhecidos (€ 1.382,67) no n.º 1 da parte decisória da sentença proferida em 28 de Março de 2003 (fls. 165), o que fará com que apenas esta, e nessa medida, subsista.

    Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista deve ser concedida, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da autora para discordar daquela posição.

  2. No caso vertente, a única questão suscitada cinge-se a saber se configura abuso de direito da parte da autora exigir da ré o pagamento das retribuições, desde 1 de Março de 1998 até 30 de Junho de 2001, incluindo subsídios de férias e de Natal.

    Ter-se-á por assente, já que se trata de matéria transitada em julgado, a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 1.382,67, a título de retribuições vencidas respeitantes aos anos de 1995 e 1996, acrescida de juros de mora, contados desde 30 de Junho de 2001, até integral pagamento, à taxa legal.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1.

    O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) A autora foi admitida ao serviço da ré através de contrato individual sem termo, em 24 de Outubro de 1983; 2) As funções exercidas pela autora eram as atribuídas à categoria de assistente hospitalar de estomatologia; 3) Praticando um horário semanal de 12 horas; 4) E posicionada no escalão 3, índice 1 - 25; 5) A autora exerceu a sua actividade para a ré nos termos do Estatuto dos Médicos da Caixa de Previdência do Pessoal dos Telefones de Lisboa e Porto, junto de fls. 20 a 38; 6)A autora exercia a sua actividade no Centro Clínico, pertencente à ré, sito na Rua Actor Taborda n.º ..., em Lisboa; 7) Este Centro Clínico estava organizado por forma a prestar serviços de saúde em várias...

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