Acórdão nº 06P2816 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | CARMONA DA MOTA |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Arguida/recorrente: AA 1. OS FACTOS "Desde data não concretamente apurada mas seguramente durante cerca de 18 meses e até 07.09.2000 que a arguida, conjuntamente com o seu companheiro BB, se vinha dedicando com regularidade à cedência de heroína a indivíduos dependentes desta substância, residentes em várias localidades perto de Torres Vedras. Deste modo, os indivíduos que pretendessem adquirir heroína telefonavam para a residência da arguida e do seu companheiro sita na Endereço-A em Local-B e, a qualquer um deles, encomendavam a quantidade pretendida ou ali se deslocavam com vista à aquisição de heroína onde eram atendidos por qualquer um deles.
Se a encomenda tivesse sido feita por telefone, os referidos indivíduos deslocavam-se à residência dos arguidos para aí irem buscar o produto encomendado. A cedência de heroína só era efectuada a pessoas de confiança da arguida e do seu companheiro a quem estes não cediam menos de 1/2 grama de heroína, pelo valor de 5000$ (€ 24,94). No dia 07.09.2000 a arguida e o companheiro detinham na sua residência: - um envelope com "cannabis" (resina) com o peso líquido de 0,708 g;- uma embalagem de papel contendo cocaína, com o peso líquido de 0,050 g;- dois plásticos com resíduos de cocaína; - um saco de plástico com cocaína, com o peso líquido de 13,45 g;- um saco de plástico com heroína, com o peso líquido de 0,061 g;- um saco de plástico com heroína, com o peso líquido de 12,557 g;- um saco de plástico com heroína, com o peso líquido de 76,280 g; 130.015$ (648,51 €) em notas e moedas do Banco de Portugal; - uma balança de precisão da marca Tanita destinada a pesagem de produto estupefaciente. Foram ainda, na mesma data, encontrados na residência da arguida e de seu companheiro: - um telemóvel da marca "Siemens", modelo C35i, com respectivo carregador; - um telemóvel da marca "Audiovox", modelo GSM 810, com respectivo carregador de isqueiro; - uma televisão de marca "Samsung" de 37 cm com comando; - uma televisão de marca "Worten" com comando; - uma televisão de marca "Mitsai" de 37 cm com comando; - uma televisão de marca "Samsung" de 37 cm com antena; - um vídeo da marca "Samsung", modelo SW35XK; - um vídeo da marca "Samsung", modelo SW3OXK; - uma aparelhagem da marca Sony, sem colunas, com comando, - um descodificador da TV Cabo, sem antena, com comando, - uma máquina fotográfica da marca "Nokina"; - um capacete da marca "Shoei".
Sabiam a arguida e o seu companheiro que os produtos por ambos detidos eram heroína, cocaína e cannabis, conheciam as suas qualidades estupefacientes e destinavam pelo menos a heroína à sua venda. Agiu a arguida deliberada, livre e conscientemente em comunhão de esforços e intentos com o seu companheiro, bem sabendo que a venda de heroína, bem como a sua detenção e a de cannabis e cocaína eram proibidas e punidas por lei. Do certificado de registo criminal da arguida nada consta".
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A condenação Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 1.º Juízo de Torres Vedras, em 16Mar05, condenou AA (-27Jan60), como autora de um crime de tráfico comum de tráfico de drogas ilícitas, na pena de 4,5 anos de prisão: Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de tráfico de produto estupefaciente p. p. art. 21° n.° 1 do DL 15/93. Dispõe este preceito legal: "Quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art° 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos". São pois três os pressupostos da aplicação deste tipo legal: O primeiro é um pressuposto positivo. É necessário que o agente cultive, produza, fabrique, extraía, prepare, ofereça, ponha à venda, venda, distribua, compre, ceda ou por qualquer título receba, proporcione a outrem, transporte, importe, exporte, faça transitar ou ilicitamente detenha plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas 1 a III anexas ao DL 15/93. No caso dos autos, é inequívoco que este requisito se verifica uma vez que a arguida vendeu estupefacientes, designadamente heroína, e detinha ilicitamente cocaína e cannabis. O segundo pressuposto de aplicação do art. 21 ° n.° 1 é um pressuposto negativo: trata-se de que o uso a dar à droga que se detém não seja o previsto no art. 40°, isto é, que a droga não seja para consumo próprio. Ora, no caso sub judice, prova-se a venda de parte da droga adquirida o que é o bastante para preenchimento do pressuposto. Por último, resta apurar se o terceiro pressuposto de preenchimento do tipo se verifica, isto é, se a arguida estava autorizada a deter a droga ou se tal detenção é ilícita. Neste particular há que dizer que este pressuposto, também negativo, está verificado. No plano subjectivo verifica-se a existência de dolo consubstanciada no facto da arguida conhecer as propriedades do produto que detinha e de, mesmo assim, não se ter abstido de a ter consigo e a transmitir a terceiros. A questão que se coloca seria a de se saber se a conduta da arguida poderia eventualmente ser qualificada como de cúmplice sendo o autor do facto o BB. Com a devida vénia, transcrevemos o acórdão da Rel. de Lisboa de 20.01.2000, proferido no proc. 7321/99-9 (...), aplicável mutatis mutandis ao caso dos autos e onde se considerou que "I - No caso em apreço é inegável perante os factos provados que houve da parte dos arguidos a intenção de concretizar um projecto criminoso que era o do tráfico de estupefacientes e que visando essa concretização, ou prossecução desse fim comum, cada um dos arguidos e, portanto, o recorrente contribuíam com a sua actuação. II - Tratava-se, afinal, de levar a cabo um único objectivo o de traficar estupefacientes, desenvolvido em várias tarefas das quais faziam parte as que cabiam ao recorrente que dessa forma se tornou comparticipante necessário desse crime, ou seja seu co-autor (art. 26° do CP). III - Nenhuma relevância tem a circunstância invocada pelo recorrente de não ter em seu poder, leia-se consigo, na sua pessoa, os estupefacientes apreendidos, o que aliás também acontecia com os restantes designadamente quanto à heroína apreendida como também é corrente em situações destas. IV - O que interessa do ponto de vista do preenchimento do tipo legal e no que ao recorrente respeita é ter-se dado como provado que a heroína pertencia a todos os arguidos e que a destinavam à venda pretendendo repartir entre si o produto dessa mesma venda. "É o caso destes autos, em que a arguida recebia os telefonemas, discutia quando não eram feitas as encomendas pelo telefone, aviava "clientes", discutia quando faltava dinheiro demonstrando um controle efectivo sobre o negócio, que deita a droga pela janela quando vê a polícia, tendo, em suma, o domínio do facto existindo uma repartição de tarefas entre ela e o BB. Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. A medida concreta da pena há-de encontrar-se dentro dos parâmetros ou directrizes fornecidos pelos comandos ínsitos nos art.s 40° e 71° do Código Penal. Ilicitude e culpa, enquanto juízo de censurabilidade referenciada ao facto ilícito e típico, são sempre factores determinantes para a fixação da pena. Para que, em concreto, deverá, no mínimo satisfazer necessidades de prevenção geral; tutela e protecção dos bens jurídicos (40°, n.º 1 Código Penal); no máximo não poderá ultrapassar medida da culpa (40°, n.º 2, Código Penal); devendo ser, porém individualizada no "quantum" necessário e indispensável à ressocialização do agente - prevenção especial. In casu, tratando-se de crime de perigo assumem particular relevo as exigências de prevenção geral e especial. O "tipo" descrito no citado art. 21°, n° 1, é exemplo paradigmático dos chamados crimes exauridos". A sua consumação verifica-se logo que o agente pratique qualquer dos actos, - e basta um - enunciados na previsão daquela norma: - cultivar, produzir, comprar, vender, ceder, receber. A comissão de um só acto é gerador do resultado típico. Antecipa-se o juízo de censura para qualquer daqueles actos já que todos eles são orientados om vista à distribuição pelos consumidores. Não há pois que valorizar ou desvalorizar mas em detrimento dos outros. Não há compra sem venda e quem compra quer vender. O narcotráfico vem sendo classificado como crime contra a saúde pública, tais os efeitos perniciosos que causa, não só aos consumidores, como aos familiares mais próximos, e de um modo geral à sociedade, provocando intranquilidade e insegurança nos cidadãos, muitas vezes, vítimas de violência e criminalidade vária, levada a cabo por toxicodependentes. Por tudo isto e pela indiscriminação das vítimas que atinge já foi rotulado com inteira propriedade como um crime contra a humanidade. Está fora de propósito divagar mais sobre a danosidade e perigosidade do tráfico e consumo. Já tudo foi dito sobre tal flagelo, a ponto de todo o mundo com ele se preocupar e contra ele lutar, sendo justamente considerado pelas mais altas instâncias internacionais (D. R. I-B 26.5.1999) como "o problema mundial da droga" (The world drug problem). Na verdade, criam-se Comissões, Gabinetes e Institutos para prevenir e remediar o consumo. As polícias nacionais e estrangeiras, organizam-se, trocam informações e conjugam esforços no combate ao narcotráfico. As nações reconhecem e sentem o problema e com vista à sua erradicação assinam acordos, tratados e convenções. Porém, e apesar disso, tudo parece continuar na mesma. E assim continuará enquanto existirem indivíduos como a arguida e muitos outros que, com maior ou menor dimensão, vão agindo como autênticos "empresários de misérias alheias não se fartando nunca do lucro fácil que o narcotráfico continua proporcionando".
Daí que se preconize cada vez com mais insistência a aplicação...
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