Acórdão nº 06B3254 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução12 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA, intentou, no dia 15 de Novembro de 1999, contra BB, acção declarativa de apreciação, com processo ordinário, pedindo a declaração da validade de identificado testamento, a fim de este produzir todos os seus efeitos em Portugal.

Como fundamento da sua pretensão, afirmou, em síntese, por um lado, ter o seu irmão CC, falecido no dia 16 de Novembro de 1994, no estado de solteiro, com nacionalidade espanhola, e serem suas herdeiras ela e a ré.

E, por outro que, no dia 8 de Novembro de 1999, haver encontrado entre os papeis do falecido um testamento hológrafo, datado de 14 de Janeiro de 1991, válido à luz da lei da lei espanhola, por via do qual o falecido a declarou sua única herdeira.

A ré, na contestação, impugnou a circunstância de o falecido haver feito o referido testamento, bem como a sua validade à luz das leis espanhola e portuguesa.

Realizado o julgamento, no dia 24 de Junho de 2005, foi proferida sentença, por via da qual a acção foi julgada improcedente e a ré absolvida do pedido, por virtude da autora não haver provado ser o testamento da autoria do falecido.

Apelou a autora, e a Relação, por acórdão proferido no dia 20 de Abril de 2006, negou provimento ao recurso, sob o fundamento de a recorrente não haver provado ser do falecido a autoria da letra e da assinatura do referido documento, acrescentando que o mesmo não reveste as formalidades legalmente exigidas para a sua validade como testamento.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - a lei substantiva espanhola é a aplicável, não funcionando o reenvio para a lei portuguesa porque dele resultaria a invalidade e a ineficácia do negócio jurídico em causa, que de outro modo não ocorreria; - o elemento teleológico da norma de conflitos e o consequente elemento pessoal a aplicar não devem contrariar o fim visado pelo legislador espanhol ao aditar a norma, nem impedir as soluções por ele tidas em vista; - o sentido da lei a aplicar deve coincidir com a vontade real do legislador espanhol, devendo a ratio legis ser encontrada na letra da lei espanhola, na perspectiva de que a lei que permite o fim permite os meios necessários à sua consecução; - ao entender ser aplicável o ordenamento jurídico português, o acórdão recorrido infringiu o ordenamento jurídico espanhol; - não sendo os depoimentos gravados suficientes, os documentos particulares juntos teriam feito renascer a força probatória dos testemunhos prestados e gravados, sem prejuízo da livre apreciação da prova, segundo uma prudente convicção acerca de cada facto; - os documentos foram juntos, não porque a recorrente quisesse dispensar uma testemunha mas porque a mesma faleceu sem ter sido ouvida, passados quase dez anos sobre a entrada da acção em juízo; - a problemática dos pareceres técnicos é autónoma da apresentação dos documentos probatórios propriamente ditos em sede de junção de documentos supervenientes; - deve revogar-se o acórdão recorrido.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão: - não se trata de testamento hológrafo de súbdito espanhol outorgado em Portugal; - não está provado que o escrito seja do punho de CC ; - o escrito não reúne os requisitos do testamento hológrafo, ainda que interpretado à luz do direito espanhol; - a apresentação de articulados e provas e a tramitação processual são regidas pelo direito adjectivo português.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. CC, nascido no dia 14 de Fevereiro de 1938, de nacionalidade espanhola, com única e última residência conhecida em Rua......., n.º....., Algueirão, Mem-Martins, faleceu no dia 16 de Novembro de 1994.

  1. No escrito de folhas 15 consta designadamente: Eu, CC, declaro, minha Herdeira Universal, minha irmã, AA, como única Herdeira, dos meus bens, a saber: -…? …da casa em…?; - ½ (…?... da minha parte) do prédio sito em R. António…?; - Os meus livros e as minhas moedas; - Todos os meus pertences pessoais.

    Lisboa 14 de Janeiro de 1991.

    Assinatura" III A questão essencial decidenda é a de saber se deve ou declarar-se a validade do testamento invocado pela recorrente.

    Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - lei substantiva aplicável à determinação da validade ou não do testamento; - lei adjectiva aplicável na acção tendente ao referido fim; - devia ou não a Relação considerar na decisão da matéria de facto o conteúdo do documento que a recorrente juntou com o instrumento de alegação? - pode ou não este Tribunal alterar a decisão da matéria de facto da Relação? - solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei. 1.

    Comecemos pela determinação da lei substantiva aplicável à validade ou invalidade do testamento.

    Estamos no caso vertente perante alegada situação em que um cidadão espanhol, residente em Portugal, dispôs mortis causa, em Portugal, por via da subscrição de um simples documento particular, dos seus bens sitos em Portugal.

    Trata-se, pois, de uma situação em contacto com duas ordens jurídicas, a portuguesa e a espanhola e, consequentemente, a resolver, à míngua de convenção internacional em contrário vinculativa da República Portuguesa, no quadro das normas de direito internacional privado do Estado do foro, ou seja, do ordenamento jurídico português.

    No quadro do nosso ordenamento jurídico de direito internacional privado, a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento, ou seja, a lei do Estado da sua nacionalidade (artigos 31º, nº 1 e 62º do Código Civil).

    Assim, a lei nacional do autor da sucessão regula tudo o que respeita ao fenómeno sucessório, incluindo a vocação dos sucessíveis e a devolução da herança.

    Todavia, no que concerne à forma das disposições por morte, expressa o artigo 65º do referido...

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