Acórdão nº 801/06 6TYVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : 1. A ineptidão da petição inicial, geradora de nulidade a afectar a cadeia teleológica dos actos processuais subsequentes, deve ser arguida na contestação ou conhecida oficiosamente até ao despacho saneador.

  1. O registo comercial constitui presunção legal relativa (“juris tantum”) da existência da situação jurídica nos termos em que a inscrição a define, “ex vi” do artigo 11.º do Código do Registo Comercial.

  2. Àquela presunção é aplicável o regime do n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil, sendo que a parte que dela beneficia está isenta de provar o facto presumido, cumprindo à parte contrária o ónus de demonstrar que o facto afirmado/conhecido não basta para produzir o efeito que a lei lhe atribui, assim ilidindo aquela ficção probatória.

  3. Perante a junção de uma certidão do registo comercial a afirmar a destituição de um gerente e a afirmação do Autor desse facto (através da reprodução de declaração exarada em acta da assembleia geral onde a produziu) cumpriria à Ré, que tem o ónus de fundamentação exaustiva da defesa no seu primeiro articulado (n.º 1 do artigo 489.º do Código de Processo Civil), ilidir a presunção e não limitar-se a uma impugnação genérica.

  4. No tocante à invalidade das deliberações sociais, há que proceder ao “distinguo” entre o procedimento deliberativo – sucessão de actos, ou processo de formação, conducente a alcançar um efeito – e a deliberação em si mesma – conteúdo, ou mérito, do acto produzido pelo órgão colegial. Ali encontram-se os vícios de procedimento que equivalem às nulidades processuais, enquanto que aqui estão os vícios de conteúdo, equiparáveis aos do mérito do acto jurídico.

  5. No direito societário as deliberações de procedimento conduzem, como regra, à anulabilidade da deliberação, sendo excepções a cominação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais (respectivamente, assembleia-geral não convocada e voto escrito não expresso por falta de convite para o formular). Já outros vícios de procedimento podem, tão-somente, gerar a anulabilidade, regime regra do artigo 58.º.

  6. A soberania da assembleia-geral é limitada pelas competências próprias dos outros órgãos sociais.

  7. Decorre do n.º 1 do artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais que na gerência das sociedades por quotas têm de distinguir-se dois aspectos: o respeitante à gestão, ou administração na vertente interna e o que respeita à representação externa, sendo esta insusceptível de qualquer limitação, quer constante do pacto social, quer de deliberações dos sócios.

  8. O n.º 1 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais é norma imperativa de interesse e ordem pública, razão porque os poderes de representação dos gerentes não podem ser afastados, ainda que por vontade unânime dos sócios, sob pena de nulidade da respectiva deliberação – artigo 56.º, n.º 1, alínea d) do diploma citado.

  9. Apenas podem admitir-se orientações genéricas para procedimentos estratégicos de mercado ou chamadas de atenção para a conveniência de adopção de princípios mesmo em actos de administração.

  10. A representação da sociedade em juízo incumbe ao gerente. A assembleia-geral tem poderes exclusivos para propor acções contra gerentes, sócios, ou membros do órgão de fiscalização, assim como delas desistir ou transigir (artigo 246.º, n.º 1, alínea g) do Código das Sociedades Comerciais) pois o intentar de quaisquer outras é da competência dos gerentes, como acto de administração ordinária, com efeitos externos.

  11. O instituto da ratificação implica, que a pessoa realize um negócio como representante de outra mas sem ter os necessários poderes representativos – ou porque lhe faltam de todo poderes de representação ou porque age fora do limite dos poderes que detém – o negócio não produz o seu efeito em relação à pessoa indicada como autor.

  12. Quer a assembleia-geral quer os gerentes podem ratificar actos processuais praticados por gerente sem poderes (por já destituído) em situações a apreciar caso a caso.

  13. De todo o modo, “in dubio”, e perante o risco de ineficácia de um acto processual que pode importar para a sociedade, e cuja ineficácia terá sido resultado de menor cuidado, ou zelo, do representante-gerente – na condução do processo, será, a assembleia que ratificará os actos praticados sem poderes. Havendo que se proceder a uma apreciação casuística, cumpre ao Autor que pediu a anulação esclarecer quais os actos a ratificar e quais as consequências processuais da sua ineficácia.

  14. A figura do abuso de minoria por, a verificar-se, poder reconduzir-se ao abuso de direito é cognoscível “ex officio”.

  15. Como “species” do “genus” abuso de direito está previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais, aplicando-se para integração de eventuais lacunas interpretativas o artigo 334.º do Código Civil.

  16. Caracteriza-se não só pela tomada de uma deliberação social, como também pelo pedido de anulação, quando o sócio exerce o direito de voto para obter vantagens especiais para si ou para terceiros com prejuízo (ou apenas com o propósito de prejudicar) a sociedade ou outros sócios, independentemente da regularidade formal da mesma.

  17. A deliberação é, então, consequência, do sócio ter conduta não compatível com os deveres de lealdade e de prosseguimento do interesse social, a que está vinculado.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou acção, com processo ordinário, contra “E... – Gestão Imobiliária e Turística, Limitada” pedindo a declaração de anulação de todas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da Ré de 17 de Novembro de 2006, constantes do ponto 1 da ordem de trabalhos.

    Alega, em síntese, que desse ponto constava: “deliberar ratificar os actos praticados pelo sócio e gerente BB no processo n.º 656/06 OTYVNG, que corre termos no 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, no processo n.º 622/06 TYVNG, que corre seus termos pelo 2.º Juízo do mesmo Tribunal, bem como conferir-lhe os poderes necessários para representar em juízo esta sociedade nos processos sobreditos e ainda no processo n.º 657/09 9TTBCL, que corre termos no Tribunal de Trabalho de Barcelos.” Invocou a nulidade e a anulabilidade daquelas deliberações, por violarem norma legal imperativa e insusceptível de ser derrogada, mesmo por vontade unânime dos sócios, bem como por serem abusivas, em conformidade com o disposto nos artigos 56.º, n.º 1, alíneas c) e d) e 58.º, n.º 1, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais.

    Após os seguintes articulados – contestação e réplica – foi proferida sentença (logo no despacho saneador) a julgar a acção procedente anulando as referidas deliberações sociais.

    A Ré apelou para a Relação do Porto que confirmou “inteiramente” o julgado.

    Vem, agora, pedir revista, assim concluindo a sua alegação: - Os factos sujeitos a registo comercial são susceptíveis de serem impugnados mediante prova em contrário.

    - A presunção resultante do artigo 11.º do CRC é uma presunção “juris tantum”.

    - E, como tal foram, salvo melhor opinião, devidamente impugnados pela Recorrente.

    - Em simultâneo, ao contrário do que se sustenta no Acórdão recorrido, da mesma certidão do registo comercial emergiam outros factos que abalavam a credibilidade da referida destituição e, por isso, eram merecedores de igual credibilidade.

    - Acresce que, o Recorrido jamais alegou que, o sócio BB foi destituído de gerente em 10 de Outubro de 2006.

    - Ora, não obstante o que decorre da certidão de registo comercial da Recorrente, não estamos perante um facto notório, que pudesse ser dado por provado pelo Tribunal, sem ter sido alegado pelas partes.

    - Por outro lado, cumpre dizer que, no despacho saneador proferido deveria ter-se absolvido a Recorrente da instância por manifesta ineptidão da petição inicial.

    - Por outro lado ainda, ao invés do defendido no Acórdão ora impugnado, no caso vertente é inaplicável a figura do representante especial, nos termos previstos no n° 2, do artigo 21°, do CPC.

    - Por fim, não se pode aceitar, como se diz no Acórdão recorrido, que a Recorrente, atendendo aos circunstancialismos do caso concreto, não pudesse deliberar em assembleia geral, conferir poderes ao sócio gerente BB, para a representar em Juízo, nomeadamente outorgando procuração a favor de mandatário forense.

    - Como aliás, bem se decidiu no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado em supra.

    - Por último, resta assinalar que a conduta do Recorrido, configura um caso de patente abuso de minoria.” Contra alegou o recorrido a pugnar pela manutenção do julgado e concluindo, em síntese, que o registo comercial faz prova plena dos factos nele inscritos; que o recorrido alegou tais factos; que a petição não é inepta.

    As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: 1. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à a) realização de investimentos imobiliários e turísticos; b) compra e venda de propriedades; c) estudos, planeamento e gestão de empreendimentos de natureza comercial e industrial e a prestação de serviços a ele relativos; d) exercício de qualquer outra actividade, que venha a ser determinada pela gerência (cfr. n.º 2 do artigo 2.º do pacto da sociedade) estando matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Póvoa de Varzim sob o n°. 429, com o capital social de € 550.000,00, de ora em diante abreviadamente designada por E....

  18. O Autor é sócio da Ré, sendo titular de uma quota do valor nominal de € 38.500,00, representativa de 7% do capital social da E....

  19. O Autor foi designado gerente da Ré, tudo como melhor consta de documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc°. no. 1).

  20. O Autor recebeu carta registada com aviso de recepção remetida pelo gerente BB, datada de 2006.11.02, da qual constava um aviso convocatório para a realização de uma assembleia...

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