Acórdão nº 103-H/2000.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução26 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - Quer na norma do art. 152.º, do CPEREF, quer no preâmbulo deste diploma, é sempre e, tão-só, aos privilégios creditórios que a lei se refere, sem qualquer alusão a outra garantia, nomeadamente, à hipoteca legal, inexistindo outros elementos capazes de sustentar uma extensão teleológica da respectiva previsão legal, ou a existência de um caso omisso, que deva ser, juridicamente, regulado.

II - Tendo sido proferida a sentença que decretou a falência, em 18-07-2008, data a partir da qual os direitos de crédito dos trabalhadores da falida estavam vencidos e se haviam tornado exigíveis, e encontrando-se em vigor o art. 377.º, do CT de 2003, desde 28 -08-2004, aqueles gozam de privilégio imobiliário geral, e não de privilégio imobiliário especial, sobre o prédio apreendido para a massa falida, sendo inaplicável ao concurso de credores o disposto naquele normativo legal, mas antes o preceituado pelos arts. 12.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 17/86, de 14-06, e 4.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 96/01, de 20-08.

III - Conferindo a hipoteca ao credor o direito de ser pago, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, considerando que o privilégio creditório de que gozam os trabalhadores tem, no caso em apreço, a natureza de privilégio imobiliário geral e não especial, fica o respectivo crédito numa situação de subalternidade, em relação à hipoteca que, manifestamente, lhe prefere.

IV - Os créditos garantidos por hipoteca, ao abrigo da legislação anterior ao CT de 2003, devem ser pagos, relativamente aos bens imóveis sobre que esta incide, com preferência sobre os créditos laborais que, gozando embora de privilégio imobiliário geral, têm de ser graduados depois dos créditos hipotecários.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Por apenso ao processo de falência contra “AA § Filhos, Ldª”, sociedade por quotas, com sede em A..., subsequente ao processo especial de recuperação de empresa, correm os presentes autos de reclamação de créditos, em que é reclamante o Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Santarém e outros, todos, suficientemente, identificados, cujos créditos não sofreram qualquer impugnação, pelo que, a final, foram verificados, reconhecidos e graduados, do seguinte modo: A) Quanto ao produto dos bens móveis: 1o - Os créditos laborais, procedendo-se ao rateio entre eles, se necessário; 2o - Os restantes créditos, procedendo-se a rateio entre eles.

B) Quanto ao produto dos bens imóveis: 1o - Os créditos laborais, procedendo-se ao rateio entre eles, se necessário; 2o - O crédito garantido por hipoteca legal, sob as verbas n°s 185 e 186, do apenso B, reclamado pelo "Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Santarém", mas, apenas, até ao montante de 182.722.995$00 (correspondente ao contravalor de €911.418,46); 3o - Os restantes créditos, procedendo-se a rateio entre eles.

Desta sentença, o reclamante Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Santarém interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação, determinando à primeira instância a realização de uma nova graduação, reflectindo a orientação indicada.

Deste acórdão da Relação de Coimbra, o reclamante Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Santarém interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e, em consequência, que o seu crédito reclamado seja graduado, em 1o lugar, até ao limite das hipotecas legais constituídas sobre os prédios apreendidos para a massa falida, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem: 1ª – O douto Acórdão da conferência que confirmou a decisão sumária proferida pelo Juiz Relator julgou a apelação parcialmente improcedente no que respeita à graduação em 1o lugar do valor reclamado pelo ora recorrente garantido por hipotecas legais constituídas sob as verbas n°s 185 e 186, do apenso "B", até ao montante de 182.722.995$00 (correspondente ao contravalor de €911.418,46).

  1. - Contudo, discordamos, com o devido respeito, de tal entendimento, uma vez que se entende que se está a fazer errada interpretação de norma jurídica.

  2. – O artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, estabelece que os créditos dos trabalhadores gozam de privilégios, mobiliário e imobiliário, gerais e devem ser graduados antes do crédito da segurança social.

  3. - Contudo, terá de se entender que o fundamento desta norma é a clarificação da prioridade dos créditos dos trabalhadores quando concorrem com os da Segurança Social, e ambos, apenas, beneficiam de privilégio creditório geral, previsto na lei para ambos.

  4. - Não se pode aceitar que o legislador quis impor a prioridade dos créditos do trabalhador, independentemente do tipo de garantias constituídas pela Segurança Social, sob pena de se violar de forma intolerável o princípio da confiança.

  5. - Na época em que as hipotecas legais foram constituídas ainda não tinham sido consagrados os privilégios especiais dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho, inaplicáveis ao caso em apreço, criando a expectativa que em caso de necessidade o património do devedor responderia pela dívida, não vislumbrando a hipótese que privilégios creditórios poderiam se sobrepor ás hipotecas legais.

  6. - A hipoteca legal, devidamente constituída e registada é um direito real de garantia que concede ao credor hipotecário o direito de ser pago preferencialmente sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo - a hipoteca constitui assim uma garantia especial.

  7. - Os trabalhadores, embora gozem de privilégio creditório imobiliário geral, esse facto não constitui garantia real, mas apenas o direito de serem pagos com preferência em relação a outros credores sem garantia real, não se aplicando o disposto no artigo 751° do CC.

  8. - A Lei n° 17/86, de 14 de Junho, terá de ser interpretada tendo em conta a unidade do sistema jurídico, ou seja, tem de se atender às normas imperativas consagradas que estabelecem a primazia das garantias reais.

  9. - O interesse público prosseguido pela Segurança Social e que a limitação da força das garantias que constitui em confronto com os regimes gerais estabelecidos, poderá por em causa o seu financiamento e o cumprimento dos objectivos estabelecidos constitucionalmente.

  10. - A douta decisão violou, além do mais, o disposto nos artigos 9°, 686°, 687°, 704°, 733° e 751° do CC e artigo 12° da Lei n° 17/86, de 14/6.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Os factos provados são os que constam da decisão recorrida, para a qual se remete, nos termos do disposto pelo artigo 713º, nº 6, do CPC.

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber qual a hierarquia a estabelecer no concurso dos créditos dos trabalhadores com os créditos da segurança social, garantidos por hipoteca legal, em caso de declaração de falência.

DA HIERARQUIA NO CONCURSO ENTRE OS PRIVILÉGIOS IMOBILIÁRIOS ESPECIAIS DOS CRÉDITOS LABORAIS E DOS CRÉDITOS DA SEGURANÇA SOCIAL, GARANTIDOS POR HIPOTECA LEGAL, EM CASO DE FALÊNCIA I - DA EXTINÇÃO DAS HIPOTECAS LEGAIS Dispõe o artigo 152º, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), instituído pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril, aplicável (1), que “com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência”.

Atento o teor deste normativo legal, conterá o disposto no artigo 152º, 1ª parte, do CPEREF, acabado de transcrever, uma norma excepcional que compreende as hipotecas legais, no âmbito dos privilégios creditórios, ou, dito de outro modo, a extinção destes, operada com a declaração de falência, importa, simultaneamente, a extinção das hipotecas legais? Assim sendo, urge dar resposta à questão de saber se a hipoteca legal constituída a favor do recorrente Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital de Santarém, está compreendida no âmbito da previsão legal contida no normativo em análise.

A interpretação da lei consiste na fixação do sentido e alcance com que o seu texto deve valer, sendo, pois, a letra, o seu enunciado linguístico, o ponto de partida de toda a actividade do jurista que vise esse objectivo, mas, também, o seu limite, porquanto, nos termos do preceituado pelo artigo 9º, nº 2, do Código Civil (CC), não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis do texto legal aquele pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”(2), e, finalmente, uma garantia de razoabilidade da posição do legislador, por forma a conferir um mais forte apoio aquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas, razão pela qual o intérprete deve presumir, de acordo com o nº 3 daquele preceito legal, que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, em especial, quando usa terminologia de técnica jurídica.

Por isso é que, ainda de acordo com o nº 3, do artigo 9º, do CC, o interprete presumirá sempre o modelo do legislador ideal que consagrou as...

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