Acórdão nº 01P4459 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução09 de Maio de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Recurso 4459/01 Comum colectivo 77/00 do 2.º Juízo de Felgueiras Arguido/recorrente: A Assistente/recorrida: B 1. OS FACTOS O arguido e a assistente contraíram casamento no dia 01.09.79, sem convenção antenupcial. Esta era titular de poupanças de investimento postal que havia subscrito nos CTT da Lixa, no montante de 2.392.407$, sendo 2.300.000$ de capital e o restante referente a juros. O capital investido nessas poupanças era produto do trabalho do arguido, enquanto emigrante na Suíça. Durante o mês de Set95, em dia anterior ao dia 13, encontrando-se o arguido e a sua esposa já separados de facto desde 10Set95, o arguido deslocou-se à referida estação de correios com o intuito de proceder ao levantamento da referida quantia. Uma vez que a mulher era a titular das referidas poupanças de investimento postal, o arguido solicitou a C, funcionário dos CTT, que lhe fornecesse o documento necessário para proceder ao levantamento a fim de o entregar à mulher, explicando que esta se encontrava internada e, portanto, impedida de aí se deslocar para assinar o aludido documento. Na posse do documento, o arguido preencheu-o pelo seu próprio punho, apondo-lhe, no lugar reservado à assinatura, o nome de B, imitando a assinatura da mulher, sem o consentimento e contra a vontade da mesma. De seguida, no dia 13Set95, o arguido dirigiu-se à referida estação de correios, munido de tal documento e do bilhete de identidade da mulher. Aí exibiu-os e solicitou o levantamento da quantia acima referida, o que efectivamente veio a acontecer, tendo-lhe sido entregue pelo funcionário competente a quantia de 2.392.407$, da qual o arguido se apoderou, levando-a consigo. O arguido pretendia e logrou convencer o funcionário da estação dos CTT de que o documento em causa se encontrava genuinamente assinado pela sua esposa, titular do referido investimento, e que estava genuinamente na sua posse. Apenas por ter acreditado em tal facto, entregou o funcionário ao arguido a referida quantia em dinheiro. O arguido agiu com o intuito de proceder ao levantamento da quantia de 2.392.407$00, levantamento esse que sabia não poder efectuar, sabendo, ainda, que, desse modo, necessariamente, causaria a B um prejuízo patrimonial correspondente à sua meação naquela quantia. Durante o mês de Novembro de 1995, o arguido redigiu um documento, dele fazendo constar que B declarava ter recebido metade da quantia levantada nos correios da Lixa e ter sido ela a assinar o documento necessário para ser levantado o dinheiro investido nos títulos de poupança de investimento postal, factos que sabia não corresponderem à verdade. No final do documento encontra-se aposta uma assinatura com as características da assinatura de B (1). No dia 08Nov95 o arguido entregou-o nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Amarante para ser junto a inquérito. O arguido pretendia fazer crer que o conteúdo do documento em causa correspondia à verdade, com o intuito de não ser responsabilizado jurídico-penalmente. Com as suas condutas o arguido abalou a confiança e credibilidade na autenticidade e genuinidade dos documentos. O arguido actuou sempre voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente puníveis. À data dos factos o arguido não tinha antecedentes criminais. O arguido foi condenado no processo comum singular 225/99, do 3º Juízo de Amarante, por sentença proferida em 23Fev00 e transitada em 09Mar00, pela prática em 15.07.96 de um crime de ameaças previsto e punível pelo art. 153.1 do CP, na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de 700$00 e na indemnização a favor da mulher de 60 contos. E, no processo comum singular 226/99 do 3.º Juízo de Amarante, por sentença proferida em 23.02.00 e transitada em 09Mar00, pela prática em 12.01.97 de um crime de dano previsto e punível pelo art. 212.º do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 700$00 e na indemnização a favor da mulher de 40 contos. Durante o tempo em que esteve emigrado na Suíça o arguido desempenhou funções de cozinheiro num hotel. Actualmente não exerce qualquer actividade. Vive de rendimentos amealhados aquando da sua estadia na Suíça. Não paga renda. É ajudado pela família e por um amigo. D, nascida a 29.05.80, e E, nascida 15.06.88, são filhas do arguido e da assistente. Aquando da separação do casal a assistente ficou privada de qualquer quantia em dinheiro de que se pudesse socorrer. A assistente não exerce profissão remunerada, nem nunca exerceu, dedicando-se às lides da casa e a efectuar trabalhos no domicílio, manufacturando o acabamento de sapatos. No acabamento de sapatos a assistente não auferia mensalmente quantia superior, actualmente, a 30.000$. Por sentença de 14.07.97, transitada em julgado, proferida no processo de regulação do exercício do poder paternal, que, sob o n.º 235/95, correu termos pelo 2.º Juízo de Amarante, o arguido foi condenado a contribuir, a título de alimentos para a menor E, com a quantia mensal de 15.000$, mas o demandado, desde a data da separação de facto, jamais contribuiu para o sustento das filhas menores do casal. Ao ver-se privada das poupanças a assistente viveu momentos de angústia e preocupação. Mercê das dificuldades económicas a filha mais velha do casal foi trabalhar numa fábrica de calçado, entregando à requerente o seu vencimento para fazer face às despesas domésticas. A assistente foi obrigada a pedir auxilio económico junto de familiares e pessoas amigas. Por exclusiva culpa dele, o casamento entre a assistente e o arguido foi dissolvido por divórcio pedido em 2Nov95 e decretado, em 02Out98, por sentença transitada em julgado no dia 20. 2. a condenação Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 2.º Juízo de Felgueiras (2), em 10Jul01, condenou A, como autor de dois crimes de falsificação (art. 228.1 do CP/82) , em duas penas parcelares de 7 meses de prisão e 20 dias de multa a 1000$/dia, como autor de um crime de burla (art. 313.1 do CP/82), na pena de 1 ano de prisão e, como autor do respectivo concurso criminoso, na pena única - suspensa por 2 anos, sob condição de pagamento à assistente, em 6 meses, de 150 contos de indemnização de danos morais e 1196,2035 contos de indemnização de danos materiais - de 18 meses de prisão e 30 dias de multa a 1.000$/dia: Dos crimes de falsificação. Comete o crime de falsificação de documento quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo praticar uma das modalidades de conduta (que constituem simultaneamente diversas modalidades de falsificação) previstas nas alíneas do n.º 1 do art. 228º do Código Penal de 1982, a saber: a) fabrico de documento falso, falsificação ou alteração de documento ou abuso da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; b) fazer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; ou c) usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa. Cada uma destas modalidades de falsificação carece de uma certa densificação, nomeadamente as duas primeiras, dada a pertinência que assumem no caso dos autos. Cumpre em primeiro lugar salientar que o bem jurídico protegido pelo ilícito em análise é, não a verdade intrínseca do documento enquanto tal, mas sim a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental, um bem jurídico supra-individual. Por isso, documento é, para efeitos de direito penal, não o material que corporiza a declaração, mas a própria declaração independentemente do material em que está corporizada e declaração enquanto representação de um pensamento humano (função de perpetuação). Trata-se de uma noção bastante mais ampla do que a inscrita no âmbito do direito civil e que permite desde logo considerar como documento não só o documento autêntico ou autenticado que têm força probatória plena, mas qualquer outro - escrito, registo em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico - que integre uma declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante (quer tal destino lhe seja dado desde o início - documentos intencionais - quer posteriormente - documentos ocasionais) - cfr., neste sentido, art. 255º, al. a), do Código Penal vigente. Facto juridicamente relevante é aquele que, só por si ou conjugado com outros, se mostra apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica, que em sentido amplo é "toda a situação ou relação da vida real (social), juridicamente relevante (produtiva de consequências jurídicas), isto é, disciplinada pelo direito" e, em sentido estrito, é a "relação social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjectivo e a correspondente imposição a outra pessoa de um dever ou de uma imposição. Desta feita, não subsistem quaisquer dúvidas que no caso dos autos estamos na presença de documentos, dado que, por um lado, o recibo de indemnização - cfr. fls. 151 - autoriza ao levantamento do investimento postal e, por outro, na declaração de fls. 150 a assistente reconhece ter assinado esse recibo e ter em seu poder metade da quantia correspondente àquele investimento. Passemos, agora, a analisar as diferentes modalidades de conduta previstas nas diversas alíneas do nº 1 do art. 228º do Código Penal. A divergência entre o declarado e o documentado, correspondente àquilo que se designa por falsificação intelectual, integra-se no conceito de fabrico de documento e é necessariamente levada a cabo pelo "documentador". Na referida alínea a) integram-se ainda os actos de falsificação, alteração de documento ou abuso de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso. O acto de falsificar ou alterar o documento corresponde àquilo que é designado por falsificação material: a falsificação é posterior à elaboração, ao fabrico do documento. Distinto destes casos é o da falsidade em...

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