Acórdão nº 02A4572 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Fevereiro de 2003
Magistrado Responsável | LOPES PINTO |
Data da Resolução | 18 de Fevereiro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" propôs contra B acção a fim de ser judicialmente reconhecida como sua filha por sua mãe só com este ter tido relações sexuais durante o período legal de concepção, das quais resultou a gravidez dela e o nascimento da autora, sendo reputada e tratada pelo réu como filha e também assim reputada pelo público. Contestando, o réu excepcionou a caducidade do direito de acção e impugnou, concluindo pela absolvição do pedido. Após réplica, procedeu a acção por sentença que a Relação revogou dando procedência à excepção de caducidade. Inconformada agora a autora, pediu revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações - - tendo a autora atingido a maioridade em 71.12.12, tinha a acção, segundo a Relação, que ser instaurada até 73.12.12, a menos que tivesse provado, como alegava, o reconhecimento e tratamento como filha por parte do réu, o qual não cessara, prova que não conseguiu; - tendo-se provado que o réu tratou a autora como sua filha e que só na Páscoa de 1997 lhe foi revelado quem era seu pai, só a partir dessa data o prazo podia ter começado a correr, devendo sempre entender-se que o atraso da propositura da acção constitui 'justo impedimento' ou é admissível por 'justos motivos'; - provou-se, além da paternidade biológica que a mãe da autora só por altura da Páscoa a informou que o réu era seu pai e que este a reconheceu como filha e a tratou como tal pelo menos no ano anterior à propositura da acção; - violado o disposto nos arts. 329º e 1817º CC. Contra-alegando, pugnou o recorrido pela confirmação do acórdão. Colhidos os vistos. Matéria de facto que as instâncias consideraram provada - a)- A, nascida em 50.12.12, na freguesia de Gondomar, concelho de Guimarães, foi registada na Conservatória do Registo Civil de Guimarães, como filha de C e sem menção de paternidade; b)- C é filha de ... e de ...; c)- B, casado, nascido em 34.03.20, é filho de ... e de ...; d)- nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da autora, a C manteve relações sexuais com o réu e, nesse período, só com ele; e)- a C era reconhecida como pessoa honesta e fiel ao réu; f)- por altura da Páscoa de 1997, a C informou a autora de que o réu era seu pai; g)- alguns dias depois da data referida na al. f), a autora encontrou-se com o réu; h)- nessa altura o réu disse-lhe que ela era sua filha e prometeu ajudá-la; i)- mais tarde, a autora procurou o réu, pedindo-lhe que a perfilhasse; j)- o réu respondeu-lhe que chegava conhecer o pai e que não lhe voltasse a aparecer; l)- a autora e o réu viram-se pela primeira vez na data referida na al. g); m)- alguns dias depois de ter conhecimento que o réu era seu pai, a autora procurou-o na sede da Empresa ..., Lda., no lugar de Penso de Baixo, freguesia de Guardizela, n)- facto de que o réu teve conhecimento por informação do seu colaborador D, director financeiro da fábrica; o)- na circunstância, a autora disse àquele D que era filha do réu, mas não o conhecia e pretendia conhecê-lo; p)- este comprometeu-se a transmitir ao réu tudo o que a autora lhe dissera e comprometeu-se, ainda, a informá-la, dentro de dias, pelo telefone, da decisão do réu aceitar ou não encontrar-se com ela em qualquer local; q)- o réu, uma vez informado dos factos referidos nas als. n) a p), aceitou ter um encontro com a autora; r)- o encontro viria a ter lugar em data imprecisa, alguns dias após a Páscoa de 1997, na freguesia de Donim, no interior do automóvel do dito D. Decidindo: - 1.- Após o dec-lei 496/77 de 25.11, nas acções de investigação de paternidade o único facto constitutivo do direito accionado é a procriação do investigante, este apenas tem que provar a relação biológica da paternidade. A prova disso pode ser realizada directamente ou pela perícia laboratorial ou por meio de presunções ou pela exclusividade sexual. In casu, porque estamos face à chamada acção presuntiva de investigação de paternidade - por aquele diploma foram abandonados os pressupostos, as condições de admissibilidade desta acção traçadas no art. 1860º CC na red. de 1966, e substituídas por presunções, pelo que o investigante, se dela(s) gozar, está dispensado de provar o vínculo biológico - presume-se - o provado que seja o facto-base ainda que não se tenha demonstrado a exclusividade das relações sexuais da mãe do investigante com o pretenso pai no período legal de concepção. Com razão se poderá dizer que, neste tipo de acções, a paternidade vai ser fixada não em termos biológicos mas em termos legais - não ilidida a presunção a acção procede. Como refere P. Coelho (in Filiação - 35) - «nas acções de investigação de paternidade vigora o sistema da prova livre, mas se existirem as presunções legais do nº 1, a lei facilita a tarefa do autor invertendo, nesses casos, o ónus da prova». Pela lei 21/98, de 05.12, lei que entrou em vigor no dia imediato, foi aditada ao art. 1871º-1 CC uma alínea estabelecendo uma nova presunção de paternidade - a al. e). Trata-se de uma outra presunção - «A paternidade presume-se - ... e)- quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção». Nesta nova norma há que distinguir dois segmentos que a lei quis tratar - um, a presunção e outro, o respeito pelo facto. 2.- Relativamente à presunção, o que a lei criou foi não a presunção do facto que importa provar (a relação biológica de filiação - não a presume, é facto-base, tem de ser provada) mas da paternidade a legalmente atribuir. A doutrina e a jurisprudência defendem que não são de aplicação imediata as leis que modifiquem o direito probatório material (vd. M. de Andrade in Noções Elems. - 48, Vaz Serra in B. 110/178 e RLJ 111/6, Bapt. Machado Sobre a Aplicação no tempo do novo CC - 273, A. Varela-P. Lima in CCAnot I/61, acs. STJ de 77.01.25 e 79.10.23 in B. 263/262 e 290/333). M. de Andrade e Vaz Serra, apelando à distinção entre o direito probatório material geral e o especial, consideram que a lei nova é de aplicação imediata naquele mas não neste. Neste campo, Bapt. Machado (op. cit. - 278) inclina-se para que esta distinção «só poderá manter algum interesse naquelas matérias em que as leis de prova não podem (legitimamente) influir sobre...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO