Acórdão nº 03B4122 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUCAS COELHO
Data da Resolução15 de Janeiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I"A" e esposa B, residentes em Vila Nova de Gaia, instauraram no tribunal desta localidade, em 17 de Abril de 1998, contra C e esposa D, também aí residentes, acção ordinária tendente à resolução de contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma de imóvel, entre as partes celebrado em 20 de Fevereiro de 1997 (1). Alegam o incumprimento dos réus, e pedem ademais a condenação destes a restituir-lhes o sinal em dobro, no montante de 6 400 000$00, e a pagar-lhes 480 000$00 de juros do crédito bancário relativo ao sinal, já despendidos, bem como as respectivas prestações vincendas na pendência da acção, de 40 000$00 mensais, além dos juros legais, a contar da citação, sobre a quantia peticionada líquida de 6 880 000$00. Contestada a acção e prosseguindo esta os legais trâmites, veio a ser proferida sentença final, em 21 de Abril de 2002, que a julgou parcialmente procedente, declarando a resolução do contrato-promessa - com eficácia, no caso presente, a partir da citação - e condenando os réus a pagar aos autores, a título indemnizatório, 31 923, 07 euros, correspondentes a 6 400 000$00 do sinal em dobro, e os juros de mora legais sobre esta importância, a contar da citação até integral pagamento, mas considerando-os não responsáveis pelo pagamento dos valores relativos ao crédito bancário (artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil). Apelaram os réus, mas a Relação do Porto negou provimento ao recurso, confirmando a sentença apelada. Do acórdão neste sentido proferido, em 20 de Maio de 2003, trazem a este Supremo Tribunal a presente revista, cujo objecto, atendendo às conclusões da alegação, à luz da fundamentação da decisão recorrida, implica a questão de saber se a outorga da escritura de celebração do contrato prometido dependia da licença de utilização do imóvel, e seus reflexos na constituição dos réus em mora enquanto pressuposto da resolução do contrato e demais aspectos da condenação.II1. A Relação do Porto considerou assente a matéria factual já dada como provada na 1.ª instância, à qual aditou determinados factos ao abrigo dos preceitos conjugados dos artigos 713.º, n.º 2, e 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o que tudo se dá aqui como reproduzido, ao abrigo do n.º 6 daquele artigo 713.º, seleccionando-se apenas a factualidade com específico interesse na presente revista, a saber: 1.1.Autores e réus celebraram, em 20 de Fevereiro de 1997, um contrato pelo qual os réus prometiam vender e os autores comprar uma fracção autónoma B-piso 0, do prédio sito na R. da Estação, n.º ....., em S. Félix da Marinha, Vila Nova de Gaia, com licença de obras n.º 558, pelo preço de 15 500 000$0; 1.2. Os autores entregaram um cheque datado de 26 de Março de 1997 no valor de 3 200 000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, devendo o remanescente do preço ser pago, conforme a cláusula 5.ª do contrato, no acto da escritura, a realizar 30 dias após a obtenção da licença de habitabilidade, mas dentro dos 150 dias posteriores à assinatura do contrato; 1.3. No dia 25 de Abril de 1997, os autores, mediante prévia autorização e consentimento dos réus, fixaram residência na fracção prometida vender, situação que ainda se mantém; 1.4. Expirados, contudo, os 150 dias contratuais contados de 20 de Fevereiro de 1997, ainda não tinham sido convocados os autores para a escritura, nem entregue qualquer documentação, pelo que, esgotadas outras possibilidades, requereram aqueles em 5 de Dezembro de 1997 a notificação judicial avulsa dos réus, cumprida em 9 de Janeiro de 1998, para, no prazo de 20 dias a contar da notificação, designarem «data e local para a realização da escritura de compra e venda da fracção prometida vender», ou, «em alternativa», procederem à entrega de «todos os documentos necessários à sua celebração, nomeadamente a «licença de habitabilidade» - cfr. documento de fls.18/24, de que constam, além do requerimento da notificação onde foi exarado o despacho e da certidão de cumprimento, ainda o original do contrato-promessa e cópia do cheque acima aludido; 1.5. Entretanto, e após a entrada em tribunal da notificação, foram entregues aos autores diversos documentos, nomeadamente: duas cópias autenticadas do alvará de licença de construção n.º 2189/97, com a validade de 6 meses, terminada em 17 de Maio de 1998; cópia autenticada do modelo 129 e respectivo requerimento entregue na 2.ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia; requerimento de apresentação, para efeitos de registo predial, da aquisição provisória, a favor dos autores, com as assinaturas dos réus devidamente reconhecidas; 1.6. Faltando a licença de habitabilidade e encontrando-se por resolver ainda outros aspectos foi remetida carta registada (cfr. cópia a fls. 33) denunciando, além do mais, a falta desses elementos; 1.7. Após a notificação judicial, os réus comunicaram, via fax de 19 de Janeiro de 1998 (cfr. cópia a fls. 35), que os autores já se encontravam na posse de todos os documentos necessários à outorga da escritura, mas se a pretendessem outorgar «com base na licença de habitabilidade (...) terão de aguardar que a câmara municipal a emita, o que ainda não fez por motivos a que o Sr. C é totalmente alheio», tendo este, todavia, «razões para crer que dentro de 30 dias (no máximo) a licença já terá sido emitida, podendo então marcar a escritura»; 1.8. Em 23 de Janeiro de 1998 foi dada resposta a esse fax por carta registada, anunciando-se, mais uma vez, a falta de licença de habitabilidade (fls. 36/37); 1.9. Os réus não obtiveram a licença no prazo contratual, no prazo concedido pelos autores e tão-pouco posteriormente; 1.10. Nos termos do contrato-promessa não ficou acordado a quem incumbia a marcação da escritura de compra e venda; 1.11. Os autores por diversas vezes interpelaram os réus para apresentarem os documentos tendentes à celebração da escritura, nomeadamente a licença de habitabilidade; 1.12. Os réus construíram todo o prédio, de acordo com o projecto apresentado à câmara municipal, que emitiu a competente licença de construção; 1.13. Terminada a construção, os réus pediram a licença de habitabilidade à câmara, a qual não a emitiu; 1.14. Os autores recusaram outorgar a escritura apenas com a licença de construção; 1.15. Os réus nunca se recusaram a celebrar a escritura, e remeteram toda a documentação aos autores, com excepção da licença de habitabilidade; 1.16. Solicitada em 28 de Novembro de 1997 a emissão de licença de utilização do prédio com excepção das fracções C, G, Q e V, e não tendo esta sido emitida, o réu marido requereu ao Tribunal Administrativo de Círculo do Porto a intimação do presidente da câmara municipal de Vila Nova de Gaia para que emitisse o respectivo alvará - [quer o pedido da licença, quer do alvará haviam entretanto sido objecto de deferimento tácito] -, o que foi ordenado por sentença confirmada pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Janeiro de 1999, junto por fotocópia a fls. 90/99 (cfr. infra, nota 4); 1.17. A licença veio a ser emitida em 3 de Fevereiro de 1999 (doc. a fls. 89), e junta pelos réus aos presentes autos em 13 de Outubro de 1999 (fls. 87). 2 A partir dos factos que deu como provados, o tribunal de Vila Nova de Gaia julgou a acção parcialmente procedente nos termos já introdutoriamente aludidos. Interpretando neste sentido a cláusula 5.ª do contrato (supra, II, 1.2.) (2), à luz do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, concluiu, na perspectiva da «impressão do destinatário», em primeiro lugar, que o prazo limite de 150 dias não é um «prazo absoluto», «conducente à caducidade do contrato» por perda de interesse do credor. Tanto assim que, após o decurso desse prazo, diversas vezes os autores interpelaram «os réus para celebrarem a escritura pública ou para apresentarem a licença de habitabilidade em falta». Em segundo lugar, que «a celebração do contrato prometido ficou subordinada, por expressa vontade das partes, à obtenção de licença de habitabilidade». A emissão desta licença era, pois, «essencial à celebração da escritura de compra e venda, não só porque as partes assim o convencionaram, mas também porque tal documento decorria de uma exigência legal formulada no artigo 44.º da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, na redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/86, de 23 de Abril, ressalvado de revogação nos termos do artigo 3.º, n. os 1, alínea i), e 6, do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU) (3). Acresce que, segundo os mesmos parâmetros normativos de interpretação da declaração negocial acolhidos no n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, não tendo ficado contratualmente definido «a qual das partes competia a marcação da escritura definitiva», qualquer delas poderia fazê-lo, mas «a obrigação de obtenção da licença de habitabilidade cabia aos réus, na sua qualidade de promitentes vendedores». Assim, impendiam sobre estes, com fonte no contrato-promessa, duas sortes de obrigações «conexas, interdependentes»: além da obrigação principal «de celebrar futuramente um contrato de compra e venda», a obrigação acessória «de obtenção da licença de habitabilidade, cujo incumprimento, justamente, «impossibilita o cumprimento da primeira». Sucede que os réus não cumpriram esta obrigação até ao termo do prazo contratual de 150 dias (20 de Julho de 1997), decorrido o qual, mercê da presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 799.º, se constituíram em mora imputável. Os réus não ilidiram, com efeito, a presunção, uma vez que apenas requereram à edilidade a emissão da licença de utilização, concluída a construção do prédio, em 28 de Novembro de 1997, quer dizer, mais de 4 meses após o termo do prazo aludido, tal com resulta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Janeiro de 1999, junto de fls. 91 a 99 (4). Depois, os autores ainda interpelaram diversas vezes os réus, inclusive mediante notificação judicial avulsa, efectuada em 9 de Janeiro de 1998, que lhes assinou um prazo suplementar de 20...

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