Acórdão nº 03B4389 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2005

Magistrado ResponsávelLUCAS COELHO
Data da Resolução22 de Setembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:I1. "A" e esposa B, residentes no Estoril, instauraram na 9.ª Vara Cível da comarca de Lisboa, em 15 de Dezembro de 1998, contra C - Sociedade Imobiliária, S.A., com sede nesta cidade, acção ordinária tendente a verem reconhecido o incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes, em 24 de Maio de 1995, mediante o qual, pelo preço de 29.013.000$00, a solver em quatro prestações, aquela prometeu vender, livre de quaisquer ónus e encargos, e os autores comprar nestas condições o lote de terreno n.º 62 do loteamento que a ré empreendia na freguesia de Belas, melhor identificado nos autos (1) ..

Em síntese, nos termos do contrato-promessa e de acordo adicional a este, a escritura de compra e venda deveria ser outorgada até 24 de Janeiro de 1996, e a sua não celebração por prazo superior a 30 dias sobre esta data, devido a razões não imputáveis aos autores, determinava o incumprimento definitivo do contrato pela ré e a restituição em dobro das quantias pagas, sem necessidade de qualquer decisão judicial.

Os autores pagaram as quatro prestações previstas e a escritura, várias vezes marcada e adiada por acordo das partes, ficou designada para 22 de Julho de 1996, mas os autores verificaram dias antes, que na minuta da escritura acabada de receber da ré constava afinal a menção de que sobre o imóvel prometido incidia um ónus de servidão de passagem e outro de servidão de aqueduto, quando a ré se tinha obrigado a vendê-lo livre de quaisquer ónus ou encargos.

Os autores pediram explicações à ré e desenvolveram-se nos dias subsequentes múltiplos contactos com o advogado desta sobre as diligências que a C estava desenvolvendo para a remoção dos ónus.

Nesses contactos, a situação era-lhes apresentada em vias de resolução, mas os autores sempre fizeram saber à ré a sua intenção de assegurar que no final do Verão de 1997 estivessem em condições de habitar a casa a edificar no terreno prometido, cuja construção deveria por isso iniciar-se antes da época das chuvas (artigo 52.º do petitório).

E nesta base foram acedendo aguardar pelo levantamento das servidões até ao final da 1.ª semana de Setembro de 1996, sempre dando conta ao advogado da ré dos «constrangimentos temporais» crescentes e do propósito que tinham em encontrar uma solução alternativa, caso a escritura não fosse outorgada até àquela data (artigo 53.º do mesmo articulado inicial).

Nada, porém, lhes tendo sido comunicado sobre a erradicação dos ónus até 11 de Setembro, os demandantes enviaram nesta data à ré uma carta registada com aviso de recepção, fixando-lhe o prazo de 8 dias para a realização da escritura de compra e venda do lote, livre de quaisquer ónus ou encargos, decorrido o qual considerariam o contrato-promessa definitiva e culposamente incumprido.

A ré respondeu por carta de 17 de Setembro, reconhecendo que era sua obrigação providenciar pela remoção das servidões, esperando que ainda no decorrer do mês de Setembro tal fosse concretizado.

Os autores concluíram que a ré já em Junho/Julho de 1995 teve conhecimento dos ónus sobre o terreno e só em Agosto de 1996 apresentou na Conservatória do Registo Predial de Sintra o primeiro requerimento visando a resolução do assunto.

Paralelamente, os autores começaram à procura de casa alternativa, como haviam comunicado ao advogado da ré, de cujos resultados o foram mantendo informado, vindo a descobrir em finais de Setembro uma moradia que especialmente lhes agradou, encetando negociações e apresentando uma proposta de compra em 11 de Outubro, seguida de contrapropostas até ser alcançada uma base de entendimento em 17 de Outubro.

Tratando-se de um negócio excepcional, apressaram-se os autores a que fosse celebrada a compra e venda, a qual teve lugar mediante escritura pública de 24 de Outubro de 1996, com o pagamento de 72.000 contos do preço no próprio acto.

No conspecto exposto, os autores endereçaram à ré a comunicação por carta registada com aviso de recepção e via telefax, de 18 de Outubro, na qual, fazendo o relato circunstanciado dos factos, reafirmam o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dela, manifestam a perda objectiva do interesse em contratar, e declaram pelas duas razões a resolução do contrato.

Propõem os autores nessa comunicação, conciliatoriamente, sem renunciarem a quaisquer direitos legais e contratuais, o pagamento pela ré de 45.000 contos como forma de pôr termo ao diferendo. Devendo a mesma, no caso de a proposta não ser aceite, considerar-se desde logo interpelada no sentido da devolução do sinal em dobro, a partir do dia 28 de Outubro.

Em 10 de Janeiro de 1997, já após a notificação para constituição do tribunal arbitral (2) ., a ré notificou os autores para a outorga da escritura no dia 28 do mesmo mês, por sinal ao mesmo tempo que procedia à nomeação do seu árbitro, tendo os demandantes representado a inutilidade do acto em face da resolução do contrato-promessa, mas comparecendo e exarando o termo de protesto junto com a petição inicial.

Nos termos expostos, à luz do direito que têm por aplicável, pedem os autores em suma a condenação da ré C a pagar-lhes a quantia de 58.026.000$00 - correspondente ao dobro das importâncias entregues a título de sinal, e por outro lado também equivalentes à totalidade do preço -, acrescida dos juros legais contados desde o dia 29 de Outubro de 1996, até integral pagamento, liquidando os vencidos à data da instauração da acção no montante de 12.336.487$00.

  1. A panorâmica do litígio que vem de se esboçar tal como introduzido em juízo mediante 141 artigos de petição tornava-se indispensável, pese a extensão, ao bom entendimento da exposição subsequente.

    E nessa base contestou a ré, por negação em parte da factualidade articulada, alegando que os ónus sobre o prédio prometido não se deviam a culpa sua, e que desenvolveu todos os esforços para rectificar a situação logo que dela teve conhecimento. Por outro lado, não há incumprimento definitivo, seja pela interpelação, de 11 de Setembro de 1996, seja por não haver perda objectiva do interesse dos autores, improcedendo totalmente a pretensão destes.

    Deduz ademais o pedido reconvencional de perda do sinal, no montante de 29.013.000$00, com fundamento no incumprimento definitivo do contrato-promessa pelos autores, consubstanciado na recusa categórica dos mesmos à celebração da compra e venda em Janeiro de 1997.

  2. Prosseguindo o processo os trâmites legais, veio a ser proferida sentença final, em 3 de Maio de 2002, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar aos autores o quantitativo de 144.716,23 € (correspondentes a 29.013.000$00), por enriquecimento sem causa, acrescido dos juros legais a contar da citação, improcedendo a reconvenção com a absolvição dos demandantes.

    Apelaram os autores e a ré, sem sucesso, tendo a Relação de Lisboa negado provimento aos recursos em confirmação da sentença.

    E do acórdão neste sentido proferido, em 27 de Março de 2003, interpõem ambas as partes as presentes revistas, sintetizando as respectivas alegações nas conclusões que seguidamente se reproduzem.

  3. Eis, por conseguinte, as conclusões 1.ª a 20.ª da alegação de revista dos autores: 4.1. «Vem o presente recurso interposto do despacho que decidiu pela improcedência da apelação interposta a fIs. (...) pelos ora recorrentes. Nas decisões até ao momento proferidas, pelos tribunais de 1.ª instância e recorrido, quanto ao fundo da presente causa, a razão pela qual foram, naquelas, julgados improcedentes os pedidos formulados pelos autores é a de que estes teriam acordado com a ré. no adiamento sine die da data de celebração da escritura pública prometida, pelo que a obrigação de proceder a esta celebração se teria convertido em obrigação sem prazo com consequente necessidade de recurso ao processo especial de fixação de prazo (o que nunca aconteceu); 4.2. «No entanto, constitui firme entendimento dos autores que os factos provados não autorizam a referida conclusão da decisão recorrida, no sentido de que, por acordo das partes, a celebração do contrato definitivo ficou adiada sem marcação de nova data, aí se fundando, em termos essenciais, a razão da não conformação dos autores com essa mesma decisão; 4.3. «Na verdade, e em primeiro lugar, quando, no despacho de folhas 489 a 595, o tribunal de 1.ª instância, em sede de decisão sobre a matéria de facto nos termos do artigo 653.º do Código de Processo Civil (resposta ao ponto 45.º da base instrutória), veio dar como provado, em face da prova produzida, que ‘os autores e a ré acordaram, em que esta procedesse à rectificação dos registos das servidões mencionadas na minuta de escritura, antes da celebração da mesma escritura', mas sempre ‘sem prejuízo do apurado quanto aos factos 15, 16 e 17' [sic], na decisão recorrida toma-se como pressuposto fáctico da mesma decisão, pura e simplesmente, que ‘os autores e a ré acordaram em que esta procedesse à rectificação dos registos das servidões mencionadas na minuta de escritura, antes da celebração da mesma escritura' (ponto 4.1.88.); 4.4. «Omite-se assim, na enunciação dos pressupostos de facto considerados para efeitos de decisão recorrida, a parte final da referida resposta ao ponto 45.º da base instrutória, onde se ressalvava o provado quantos aos factos 15, 16 e 17 (pontos 4.1.61., 4.1.62. e 4.1.63. do relatório de facto da decisão recorrida), coincidentes precisamente com a referência expressa, sempre comunicada pelos autores à ré, de que a celebração da escritura nunca poderia ocorrer após o termo da primeira semana de Setembro e que este constituía o prazo limite até ao qual os autores acediam esperar pelo levantamento dos ónus registados sobre o imóvel prometido vender livre de ónus e encargos; 4.5. «Deste modo, aquela conclusão da decisão recorrida quanto à existência de um adiamento sine die da data de celebração da escritura prometida assenta exclusivamente na existência de uma...

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