Acórdão nº 03S2467 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelVÍTOR MESQUITA
Data da Resolução27 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO "A", intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho sob a forma ordinária, contra: "B", a quem veio a suceder a "..., Companhia de Lubrificantes e Combustíveis, S.A." através de fusão por incorporação (certidão de fls. 446 e ss.), sociedade que, por sua vez, alterou a sua denominação para "B, Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A." (certidão de fls. 548 e ss.) e C - que também alterou a denominação para "... - Serviços de Gestão de Processos S.A." (fls. 291 e ss.), posteriormente, para "... - Gestão de Processos S.A." (fls." 357) e, posteriormente, ainda, para "...- gestão de processos, S.A." (fls. 478 e ss.) peticionando a condenação solidária das rés na "integralidade do pedido", ou seja: a) declarando-se a nulidade ou, pelo menos, anulando-se a "transmissão" do autor da primeira ré para a segunda ré e determinando-se para todos os devidos e legais efeitos, designadamente os da manutenção de todos os direitos e regalias que integravam o seu contrato de trabalho com a primeira ré, que esta é, e continua sendo a entidade patronal do autor, com a sua consequente reintegração na categoria e funções; b) caso o Tribunal assim não considerasse, então, e no mínimo, condenando-se as rés a reconhecerem e respeitarem todos esses direitos e regalias que o autor tinha imediatamente antes de 28.02,97; c) condenando-se as rés no pagamento da sanção compulsória de multa de 5.000$00 diários (sendo 2.500$00 para o autor e 2.500$00 para o Estado) por cada dia que passe sem que seja dado integral cumprimento ao referido na antecedente alínea a). Para tanto invoca, em síntese: que entrou ao serviço da Ré B em 23 de Abril de 1990; que por carta de 1997.02.27 a primeira R. lhe comunicou que a segunda R. assumiria a posição da primeira R. por força da escritura de cessão de exploração do estabelecimento a celebrar em 1997.02.28; que por carta de 1997.02.28 a segunda R. lhe fez uma comunicação de teor semelhante; que a partir de 1 de Março de 1997 a segunda R. se arrogou a qualidade de entidade patronal do A.; que as RR. não observaram as formalidades previstas no art. 37º do D.L. nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969; que o estabelecimento não foi transmitido como exige este preceito; que as instalações continuaram na titularidade da primeira R., o A. mudou logo após de local de trabalho e o contrato de cessão era temporário; que as RR. forjaram uma pretensa cessão de exploração de estabelecimento para haver uma cessão da posição contratual da entidade patronal sem consentimento do trabalhador, sem que houvesse transmissão do complexo jurídico-económico e com vista a reduzir efectivos, o que constitui uma fraude à lei; que o A. viu a posição da sua entidade patronal ocupada por uma empresa de dimensão muitíssimo inferior à da R. B e que, apesar, de a cessão ter sido feita com promessa da salvaguarda dos direitos e garantias do trabalhador, tal não ocorreu. A Ré C apresentou contestação na qual alega, em síntese: que foi constituída pela C em 1996 para desenvolver a linha de serviços de gestão de processos de negócios; que a Ré B decidiu deixar de explorar parte das actividades administrativas de apoio à gestão, cedendo a sua execução a empresas especializadas na gestão de processos de negócios e melhor preparadas para essas funções, conseguindo obter um melhor aproveitamento dos recursos e meios técnicos utilizados (processo denominado "outsourcing"); que em 1997.02.28. celebrou com a primeira R. uma escritura de cessão de exploração pelo período de 97.03.01 a 2004.02.28, prorrogável por acordo das partes, mediante o pagamento de uma renda da segunda R. à primeira de 1.000.000$00; que o conjunto dos serviços, pessoal, equipamento e instalações cuja exploração foi cedida constitui uma unidade, uma organização produtiva com um valor económico; que ao A. foi dado conhecimento das negociações e da possibilidade da cessão de exploração; que não foi feita a comunicação do art. 37º do D.L. nº49.408 pois não pretendiam eximir-se ao pagamento de créditos e que tal não afecta a validade da cessão de exploração, nem a transferência da posição contratual; que o A. continua a exercer o mesmo tipo de tarefas e a manter as regalias, tendo dois aumentos de vencimento no ano de 1997 e que reconheceu expressamente que a segunda ré passou a ser a sua entidade patronal, tendo-lhe até socilitado a atribuição de um subsídio de estudo destinados a filhos, o qual lhe foi concedido. A Ré B, apresentou também contestação na qual, em suma, alega que: é parte ilegítima quanto ao pedido subsidiário; que há contradição entre o pedido e a causa de pedir quanto ao pedido subsidiário; que a seguir-se o entendimento jurídico da A. a R. não teria ocupação para lhe dar; que o processo que antecedeu a celebração do contrato de cessão de exploração foi transparente, tendo as RR. dialogado com todos os trabalhadores; que a reestruturação a que procedeu teve carácter internacional e decorre de uma orientação da B à escala europeia; que o negócio foi sério e os trabalhadores transferidos o foram para uma empresa integrada na C, uma das maiores empresas de consultadoria e prestação de serviços de todo o mundo; que o contrato de cessão de exploração celebrado visa a prestação pela C à B dos serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes, controlo de créditos, compras e contas correntes de fornecedores e relatórios financeiros; que foi cedido um estabelecimento (ou parte de estabelecimento) para os efeitos do art. 37º do DL. nº49.408, de acordo com a jurisprudência do STJ e com uma interpretação deste preceito à luz da Directiva Comunitária nº 77/187/CEE, sendo a primeira R. hoje cliente do estabelecimento de prestação de serviços da segunda R.; que o estabelecimento conservou a sua identidade e prosseguiu ininterruptamente a sua actividade e que o A. manteve os direitos adquiridos após a cessão de exploração. O A. respondeu às contestações sustentando a improcedência das excepções da ilegitimidade da ineptidão inicial e articulando factos tendentes a consubstanciar as condições que tinha enquanto funcionário da B. Invoca ainda que as RR. distorcem ou omitem conscientemente a verdade dos factos, devendo a sua conduta ser apreciada para efeitos de condenação por litigância de má fé. Decididas questões que se suscitaram relacionadas com a admissibilidade da resposta e de novos articulados que foram apresentados, foi a fls. 221 e segs. proferido despacho saneador no qual se decidiu julgar improcedentes as nulidades invocadas a excepção da iligitimidade da primeira R. quanto ao pedido subsidiário. Organizaram-se especificação e questionário, ambos objecto de reclamação, oportunamente decidida. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais, vindo no respectivo decurso a formular-se quesitos adicionais. As partes chegaram a acordo quanto a parte da factualidade em litígio. Após o julgamento da matéria de facto, foi proferida sentença que, julgou a acção improcedente quanto a ré B, e parcialmente, procedente relativamente à 2ª Ré - C condenando esta ré a reconhecer e respeitar todos os direitos e regalias que o autor tinha ao serviço da 1ª ré antes de 28 de Fevereiro de 1997. Inconformado, o R. recorreu de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que veio a julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença da 1ª instância. De novo inconformado o A., veio recorrer de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando nas alegações as seguintes conclusões: 1º - O art. 37º da L.G.T. consagra um princípio supra-legal ou, pelo menos, contém uma norma imperativa absoluta e tem por escopo principal a defesa dos trabalhadores e a manutenção dos seus vínculos laborais face às vicissitudes da titularidade da empresa. 2º - Está, porém, hoje - na época da "fragmentação" das cadeias produtivas e da multiplicação das "exteriorizações" - frequentemente transformado no seu contrário, constituindo-se até num instrumento por excelência da precarização da situação jurídica e dos direitos dos mesmos trabalhadores. 3º - Assim, de forma a que o citado art. 37º da L.G.T. se mostre conforme os princípios e preceitos constitucionais da confiança nas relações jurídicas e da segurança no emprego (arts. 2º e 53º da C.R.P.), há que, sob pena da sua inconstitucionalidade material, interpretá-lo e aplicá-lo de modo a que o conceito de "estabelecimento", se aplicado a "partes" de empresa ou de estabelecimento, tenha os mesmos requisitos de autonomia e identidade organizacionais do todo. 4º - Ora, no caso sub judice, as actividades "transferidas" são precisamente as que não dispunham de qualquer capacidade de gestão e de decisão próprias, não tendo quaisquer poderes de planificação, de gestão de pessoal, de organização de equipes ou de definição de objectivos nem formação específica. Assim, 5º - Face ao art. 37º da L.G.T., correctamente interpretado e aplicado, quer face às Directivas Comunitárias (71/187/CEE, 98/50/CE e até a actualmente vigente 2001/23/CE), e face à matéria aqui dada como provada, é forçoso concluir que o conjunto de elementos transitados não tinha aptidão para integrar o conceito de "estabelecimento" a transmitir. Por outro lado, 6º - Tem igualmente de se entender, face aos supracitados normativos legais e comunitários, bem como aos já referenciados preceitos e princípios constitucionais (em particular os arts. 2º e 53º da C.R.P.), que não é possível operar-se a cessão da posição contratual da entidade patronal, em caso de transmissão de estabelecimento, sem o consentimento da contra-parte, o trabalhador, 7º - Visto que o trabalho e, por maioria de razão, o trabalhador não é uma qualquer "mercadoria" e não pode ser transferido de um empregador para outro sem o seu consentimento. 8º - Consentimento esse que - como aliás resulta da matéria de facto provada -...

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