Acórdão nº 05P1012 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Abril de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | SIMAS SANTOS |
Data da Resolução | 14 de Abril de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.1.
"EA", com os sinais dos autos, foi condenado pela 7.ª Vara Criminal de Lisboa (1.ª Secção - proc. n.º 123/02.1ADLSB), por acórdão de 25.11.2003, condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 9 meses.
Essa condenação foi confirmada por acórdão de 1.4.2004 da Relação de Lisboa (proc. n.º 467/04.9), que transitou em julgado, pelo que está a condenado cumprir aquela pena.
1.2.
Para tanto tiveram as instâncias como provada a seguinte matéria de facto: «No dia 18 de Novembro de 2002, pelas 7hl0m, a arguida EA chegou ao Aeroporto de Lisboa, procedente de Luanda, no voo TP 1216 contramarca 52249/02.
Ao procurar sair da zona de recolha de bagagens através do canal correspondente aos passageiros sem artigos a declarar, a arguida foi seleccionada, segundo critério aleatório, para inspecção da bagagem.
No decurso dessa inspecção foram encontrados, no interior de uma das malas que a arguida transportava na altura, dois volumes contendo canabis, na forma de produto vegetal.
Esse produto vegetal perfazia a quantidade total líquida de 58,750 Kgs, composto por folhas e sumidades, com o princípio activo" canabis sativa L" A arguida conhecia a natureza e as características estupefacientes do produto que transportava naquela malas e que se destinava à distribuição por consumidores.
Agiu motivada por recompensa económica, de montante não apurado.
Deslocou-se a Portugal com o propósito de assegurar a passagem da canábis atrás referida pelo controlo aduaneiro aeroportuário.
Após transposição do controlo aduaneiro aeroportuário, a arguida devia entregar o produto estupefaciente atrás referido a indivíduo de identidade não apurada.
A arguida não regista condenações.
Tem quatro filhos com 11, 10, 8 e 3 anos de idade, tendo os dois mais novos viajado consigo em 18/11/2002.
Tem como habitações literárias a 7.ª classe.
Dedica-se à compre e venda de roupa e calçado, os quais adquire na África do Sul e revende em Angola.
Aufere nessa actividade lucro equivalente a US$600 (seiscentos dólares do EUA).
Factos não provados: Não se provou; Qual o momento exacto em que a arguida entrou em contacto com as malas que continham o produto estupefaciente, mas apenas o referido nos factos provados.
Que esse produto tinha o peso global de 10.275 grs.
Qual a divisão que iria sofrer tal produto.
Qual a identidade do indivíduo que a que seria entregue e o número de consumidores por que seria dividido.
Qual o valor e a espécie de recompensa da arguida.
Que a arguida tenha chegado a receber essa recompensa, total ou parcialmente.
1.3.
Foi a seguinte a fundamentação da convicção do Tribunal: «Tendo presente a matriz da livre apreciação probatória (art.° 127.° do CPP), o Tribunal Colectivo passa a indicar os meios de prova mais relevantes para a formação da convicção do Tribunal, não só pelo seu valor individual quanto aos aspectos particulares e eventos que a seguir de cada um se indicam, mas também pela concatenação geral de todos.
A avaliação probatória foi marcada pela versão da arguida, a qual negou qualquer envolvimento na entrada em Portugal de canabis e remeteu a responsabilidade do transporte das malas e do seu conteúdo para dois indivíduos, os quais teria conhecido em Luanda.
Teriam sido esses dois indivíduos a pedir-lhe para guardar as malas e, perante a demora, resolvera levá-las até a alfândega e contactaras autoridades.
Ora essa versão é contrariada frontalmente pelo depoimento de AS e pelos dados da experiência comum, nos tempos actuais marcados por particulares cuidados nas viagens aéreas e pelo terrorismo.
Com efeito, a arguida demonstrou em audiência de julgamento inteligência e perspicácia pouco consentânea com a imagem que procurou projectar, de vulnerabilidade e fragilidade perante dois conterrâneos que lhe propuseram ajuda no transporte em Portugal.
Aliás, nem se vê quais as dificuldades que poderiam faze-la aceitar ajuda de parte de dois estranhos, mesmo ponderando que a arguida trazia duas crianças pequenas consigo, na medida em que disse havia sido combinado que o cunhado a esperaria no aeroporto e trazia consigo nota manuscrita com os números de telefone e a morada de AM ( fls. 18), para não falar nos US$2850,00 em numerário e US$1900,00 em travelier checks, garantindo-lhe a utilização de um táxi ou mesmo o alojamento temporário em hotel.
Note-se que a arguida disse subsistir da África do Sul, o que encontra correspondência nos carimbos apostos a fis. 22, 23, 24 e 26, o que sempre exige organização e capacidade empreendedora para além, de boa capacidade de movimentação em segurança com os meios financeiros indispensáveis a essa actividade numa parte do mundo particularmente perigoso.
Por outro lado, e como qualquer viajante de avião sabe, qualquer aeroporto do mundo repete avisos no sentido de nunca transportar qualquer bagagem alheia e alertar imediatamente as autoridades para a presença de qualquer embrulho ou pacote não acompanhado, sem o remover.
Estas considerações assumem maior propriedade perante a constatação de que estamos a referirmo-nos a duas malas perfazendo mais do que 50 Kg., a que acresce uma outra mala vermelha, com o peso que a arguida estimou em 20 Kgs, essa sim contendo os artigos de vestuário da mesma e dos filhos.
Mesmo com a facilidade decorrente das rodas de que dispunham as malas (facto confirmado por AL), ou dos carrinhos existente no aeroporto, trata-se de tarefa particularmente incómoda.
Nessas condições, a experiência comum aponta fortemente no sentido de que o transporte de malas pela arguida foi motivada por motivação muito forte, claramente incompatível com a versão que apresentou em julgamento.
Ora aqui chegados, o Tribunal Colectivo atendeu ao depoimento de AS, técnico verificador alfandegário, prestado de forma desapaixonada e coerente, aliás, numa linha de continuidade com muitas outras situações que são registadas no aeroporto de Lisboa e constituem objecto de julgamento neste tribunal.
Essa testemunha indicou estar posicionada no início do canal de saída sem declaração aduaneira e a selecção da arguida para revisão, no decurso de escolha aleatória dentre os vários passageiros que se dirigiram a esse canal de saída, num quadro de comportamento daquela que não lhe deixou dúvida quanto à respectiva intenção: a arguida não se dirigiu a si para qualquer alerta; foi por si interceptada e se tal não tivesse acontecido teria saído para a zona pública do aeroporto com todas as malas. Nessa altura não referiu que qualquer das malas não lhe pertencia.
Esse relato foi continuado com o depoimento de AL, igualmente técnico verificador alfandegário, colocado na sala onde é efectuado o controlo das bagagens, para onde eram encaminhados os passageiros seleccionados pelo colega.
Narrou a abertura das malas e recordou que eram muito pesadas tendo a arguida referido pouco antes da sua abertura que as duas onde estava o estupefaciente não lhe pertenciam.
Referiu ter acompanhado a arguida à zona pública para que esta lhe indicasse a pessoa (e não duas pessoas como seria de esperar pela versão da arguida) a quem pertenciam as malas e teria saído na frente, mas sem êxito.
Assim, em síntese, a avaliação do conjunto dos elementos referidos explica a convicção do Tribunal Colectivo em como a arguida procurou efectivamente ultrapassar a barreira à entrada de estupefacientes em Portugal constituída pelos serviços alfandegários do aeroporto, procurando benevolência pela sua condição de mulher acompanhada de duas crianças e com dificuldade em transporta grande volume de bagagem, sabendo perfeitamente o que estava contido nas malas.
Acresce outro elemento coadjuvante, significando que a sua actuação inscreveu-se num conjunto ainda de maiores dimensões e necessariamente com intervenção de terceiro, a saber a indicação por parte de AL e que duas outras malas com "canabis", idênticas àquelas trazidas pela arguida, ficaram no tapete de bagagem, correspondente ao voo Luanda-Lisboa, sem serem reclamadas.
Dito isto, importa ainda explicar outros factores de estranheza, os quais por si só não permitem suportar a acusação mas, no concerto global, contribuem para a inscrição da viagem da arguida a Portugal num registo distinto do normal viajante, mesmo do viajante oriundo do continente africano.
Assim acontece com o teor dos bilhetes de fis. 14, os quais apresentam o nome rasurado, a circunstância da arguida trazer três cartões de embarque, nenhum deles em seu nome, e ainda um talão em nome de JM assim como talões de bagagem com outro nome.
A explicação oferecida pela arguida - papéis entregues aos seus filhos pelos indivíduos para com eles brincarem - é inverosímil pois trata-se de documentos demasiado importantes para que qualquer viajante corra o risco de inutilização, para mais pelos filhos de uma pessoa que se acabara de conhecer.
Porém, e tomando agora os factos não provados, essa matéria, apesar de ponderada pelo Tribunal Colectivo, não contou com provas que permitem esclarecer todos esses aspectos, o que explica a remessa para esse elenco.
No que concerne especificamente à recompensa, sendo claro que essa foi a motivação que norteou a conduta, note-se que a acusação nem a pronúncia indicam o seu valor, nem mesmo por referência à quantia apreendida à arguida, omitida por completo nos textos definidores do objecto do processo.
No que concerne à espécie, apresentação e quantidade do estupefaciente, atendeu-se ao teor do exame de fls. 160, não sendo já possível apurar a quantidade líquida exacta em virtude da incineração do remanescente (fls. 474). » 2.1.
Recorreu a arguida para a Relação de Lisboa, sustentando em síntese que o tribunal "a quo" andou mal ao condenar a recorrente pois de forma nenhuma ficou provado que a arguida tivesse transportado produto estupefaciente, o que fica bem patente, em vários pontos do acórdão, nomeadamente quando se considera nos factos não provados não...
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