Acórdão nº 05S1380 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução09 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 7 de Fevereiro de 2002, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, A instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra "B", S. A., pedindo que, declarada a rescisão com justa causa do contrato de trabalho que a ligava à antedita sociedade, fosse esta condenada a pagar-lhe as indemnizações e os créditos salariais que discrimina, com juros de mora à taxa legal.

A ré contestou por excepção, aduzindo a caducidade do direito de rescindir o contrato de trabalho, e por impugnação, invocando a inexistência de justa causa para a rescisão do contrato, tendo sustentado a improcedência da acção, «no valor excedente a € 5.220,75 (1.046.666$00)» e a condenação da autora como litigante de má fé; em reconvenção, a ré pediu ainda a condenação da autora na indemnização de € 2.470,95, correspondente ao período de aviso prévio em falta, acrescida de juros à taxa legal.

No despacho saneador, foram julgados prescritos os créditos laborais peticionados pela ré na reconvenção e relegou-se para final o conhecimento da excepção de caducidade do direito de rescisão.

Realizado julgamento, com gravação de prova, no decurso do qual a autora aditou nova causa de pedir e deduziu um pedido subsidiário respeitante a diferenças salariais, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e declarou a validade da rescisão com justa causa do contrato de trabalho, condenando a ré a pagar à autora: i) € 32.626,77 a título de indemnização pela rescisão com justa causa do contrato de trabalho, com juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento; ii) € 4.072,29 de diferenças salariais registadas entre 1 de Novembro de 1998 e 31 de Janeiro de 2001; iii) € 774,73 respeitantes aos subsídios de refeição em dívida; iv) € 6.477,56 relativos aos demais valores em dívida (férias e subsídios de férias dos anos 1997 e 2001, oito dias de férias de Fevereiro de 2001, proporcionais de férias e dos subsídios de Natal pelo trabalho prestado no ano da cessação do contrato); v) juros de mora, à taxa legal, sobre os montantes referidos nas três últimas alíneas, desde a data do seu vencimento até integral pagamento.

  1. Inconformadas, apelaram a ré, a título independente, e a autora, mediante recurso subordinado, tendo a Relação decidido «negar provimento à apelação e ao recurso subordinado», sendo contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «A - Não assistiam à A. motivos para rescindir o contrato de trabalho com justa causa; B - A R. não estava obrigada a pagar à A. a mesma remuneração que ao trabalhador C, quer porque cumpriu, na íntegra, a sentença em que foi condenada, quer porque os aumentos salariais dos trabalhadores da ré (porque muito acima dos previstos no IRCT aplicável) são fixados por acto da administração, tendo como base critérios objectivos, não existindo um enquadramento salarial para as várias categorias profissionais; C - Não existiu, assim, qualquer discriminação salarial da autora em relação ao trabalhador C, não tendo o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa sido violado; D - Era a A. que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, teria de demonstrar que o seu trabalho era igual, em natureza, quantidade e qualidade, ao do trabalhador C, o que não fez; E - Sendo certo que a A., após o despedimento, prestou serviços à Comissão Nacional das Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, para quem continuou a trabalhar após a reintegração, pelo que, pelo menos, a qualidade do seu trabalho, aferida "pela energia física e intelectual", não seria, certamente, a mesma que quando a A. trabalhava exclusivamente para a R.; F - O douto acórdão recorrido inverteu, pois, o ónus da prova sem fundamento; G - A A. não teria, de qualquer forma, fundamento para rescindir o contrato de trabalho, pois não se concluiu que a R., pela sua conduta, tenha tornado impossível, imediata e praticamente, a subsistência da relação de trabalho; H - E, o comportamento da R. não foi apreciado tendo em atenção o grau de lesão dos interesses da autora, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias relevantes; I - Assim, os factos não assumiram a relevância rescisória que lhe foi atribuída na sentença e acórdão recorridos; J - Não existindo justa causa para a rescisão do contrato, não tem a autora direito à indemnização de € 32.626,77; L - E, não existindo violação do princípio da igualdade e tendo a R. cumprido, integralmente, a sentença proferida no Proc. n.º 299/97, do 5.º Juízo, 2.ª Secção, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, não tem a A. direito ao pagamento das diferenças de remuneração em relação aos montantes pagos ao trabalhador C, nos anos de 1998, 1999 e 2000 - € 4.072,29; M - E, também, não tem, a A. direito a receber a remuneração respeitante ao mês de Janeiro de 2001, porquanto consta da matéria provada que a R. pagou à A. tal remuneração; N - Os 8 dias de férias gozadas de 31/01/01 a 8/02/01, o subsídio de férias relativo ao ano de 2001 e os proporcionais de férias e dos subsídios de férias e de Natal pelo trabalho prestado no ano da cessação do contrato (2001) devem ser pagos tendo como referência a remuneração de € 1.235,66 (247.690$00) e não de € 1.553,66 (311.480$00); O - Não tem a A. direito aos juros de mora respeitantes às férias e respectivo subsídio relativos ao ano de 1997 e às férias gozadas de 31 de Janeiro de 2001 até 8 de Fevereiro do mesmo ano, pois tais remunerações só não foram pagas, porque a A. as não foi receber; e não se provou que as não tenha ido receber, por considerar que a R. deveria pagar-lhe remunerações mais elevadas; P - Resulta do exposto que o douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 12.º, n.º 5, e artigo 35.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4 do RJCIT, no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil e no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 69/85, de 13 de Março.» Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido na parte objecto de censura e a declaração da improcedência da acção no que à mesma parte respeita.

    Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado e «declarar que, em todo o caso e para hipótese de procedência da revista, mantém o interesse no conhecimento quer da ampliação do âmbito do recurso, quer do recurso de apelação subordinado julgado prejudicado pela improcedência do recurso de apelação da R.», formulando as seguintes conclusões: «A. DO RECURSO DA R.: 1. Como já se decidira na sentença da 1.ª instância, concluiu também o acórdão sob recurso que a A. foi objecto de discriminação salarial ilícita por parte da R. no que concerne aos salários com relação ao trabalhador C, ocupante do mesmo posto de trabalho e com as mesmas funções e o mesmo horário de trabalho da A. antes do despedimento; e, quanto ao subsídio de alimentação em relação quer àquele quer a todos os demais trabalhadores da R., discriminação, aliás, até patente, no dizer do acórdão; 2. Não era a A. quem tinha de provar que prestara - ou prestaria - no período em que permaneceu fora da empresa por despedimento ilícito decidido e aplicado por esta, trabalho da mesma natureza que o prestado pelo C e de qualidade e quantidade não inferior ao deste, mas era, isso sim, a R., por inversão do ónus da prova, visto ter impedido a prestação de trabalho pela A., quem tinha o ónus de provar que o trabalho da A. era - ou seria - diferente em natureza e/ou de qualidade e quantidade inferiores ao do C, o que a R. não fez e nem sequer alegou; 3. Quanto ao período posterior à reintegração, a situação é idêntica quanto à distribuição e inversão do ónus da prova porque foi a R. quem decidiu atribuir à A. - como atribuiu - apenas trabalho diminuto, não qualificado, e que não era, de modo nenhum, o que ela prestava antes do despedimento, sendo que este trabalho era, desde então, e continuou sempre a ser, prestado pelo C e apenas pelo C; mas, 4. Pelo uso dos mecanismos das presunções hominis sempre seria lícito concluir, designadamente em face dos n.os 61 e 62 da matéria de facto da sentença do 5.º Juízo e da antiguidade de um e outro na categoria e funções, que o trabalho não seria diferente em natureza e que a A. nunca produziria trabalho de menor qualidade e quantidade que o C; 5. Entretanto, também é patente e óbvio que a exigência da R. no sentido de que era a A. quem deveria provar que o seu trabalho fora - ou seria - igual ao do C, é ilícita por abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (artigo 334.º do Código Civil), já que, ela própria, é que estava em mora relativamente ao cumprimento da sentença anterior quanto à efectiva e leal restituição do posto do trabalho e das funções que cabiam à A.; 6. De qualquer modo, quando a A. foi reintegrada já tinha direito a subsídio mais elevado desde 1/1/97 e, desde 1 de Novembro de 1998, direito a salário mais elevado do que aqueles que a R. lhe pagou; 7. Quando uma sentença ordena, por aplicação do artigo 13.º, n.º 1, alínea b), do RJCCIT, a reintegração dum trabalhador na empresa, essa reintegração deve obedecer e dar cumprimento ao princípio da reconstituição natural - artigo 562.º do Código Civil - isto é, recriar a situação anteriormente existente, devendo o trabalhador ser reinvestido no lugar que ocupava e nas mesmas funções que exercia antes do despedimento ilícito; 8. Entender de modo diferente a expressão "reintegração do trabalhador", usada pelo legislador na alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º [do] Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/87, de 27/2, (aqui aplicável), e nomeadamente com o sentido, que a sentença e o acórdão acolhem, de a empresa não estar obrigada a restituir as mesmas funções ao trabalhador e de lhe ser permitido atribuir trabalho diferente e até menos qualificado, não só viola a já...

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