Acórdão nº 05S369 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2006
Magistrado Responsável | SOUSA GRANDÃO |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - RELATÓRIO 1.1.
"AA" intentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, emergente de Contrato individual de trabalho, contra "Empresa-A", pedindo, com fundamento em rescisão contratual com justa causa, que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 18.700.000$00, sendo 1.200.000$00 a título de remuneração do mês de Janeiro de 1998, 2.400.000$00 a título de férias e subsídio de férias vencidos em 1/1/98, 400.000$00 a título de férias e subsídio de férias proporcionais ao trabalho prestado em 1998, 300.000$00 de proporcionais de subsídio de Natal e 14.000.000$00 a título de indemnização por antiguidade, tudo acrescido de juros moratórios vencidos, que quantifica, e vincendos.
Em sede contestatária, a Ré impugnou parcialmente a versão da P.I., negando que o Autor venha direito a qualquer das pretensões reclamadas, com excepção de um crédito global de 3.000.000$00, e sustentando que a relação laboral entre as partes remonta apenas a 1/10/96.
Para além disso, invoca um crédito sobre o Autor, no montante de 55.063.000$00, com fundamento em violação ilícita, por banda do mesmo, das obrigações a que se encontrava contratualmente adstrito, pois actuou, segundo diz, contra ela e violando os mais elementares deveres de lealdade e obediência.
Conclui pela improcedência da acção e pela procedência da sua pretensão, pedindo que o Autor seja condenado a indemnizá-la na medida e no montante do crédito que lhe venha a ser reconhecido, operando a respectiva compensação.
O Autor reagiu, na resposta, contra a supra exceptiva invocada e reclamou a prescrição dos créditos aduzidos pela Ré.
1.2.
Após a fase dos articulados, a Ré requereu a rectificação dos valores indicados nos art.ºs 39º, 40º e 113º da Contestação, o que lhe foi deferido por despacho de fls. 135.
O Autor agravou dessa decisão, cujo recurso foi admitido com subida diferida.
Na fase do saneamento, o Tribunal julgou procedente a excepção da prescrição do crédito reclamado pela Ré e absolveu o Autor do "pedido reconvencional" contra si deduzido, por via do qual se reclamava a compensação de créditos.
A Ré desta feita, apelou desse segmento decisório, cujo recurso também foi admitido com subida diferida.
No decurso da audiência, o Autor agravou ainda do despacho que admitira a depor a testemunha BB, a cujo recurso também foi atribuído subida diferida.
Finalmente a 1ª instância, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 86.790,83, acrescida de juros moratórios até integral pagamento, absolvendo-a no mais do pedido.
Irresignada com a respectiva sentença, dela apelou a Ré.
O Acórdão da Relação negou provimento aos dois recursos de apelação e confirmou, respectivamente, o despacho saneador na parte impugnada e a sentença final.
Quanto aos dois recursos de agravo interpostos pelo Autor, a Relação não chegou a apreciá-los, invocando, nesse sentido, o disposto no art.º 710º do C.P.C., que reserva a apreciação dos agravos interlocutórios interpostos pelo apelado para aquelas situações em que a apelação ou apelações sejam providos.
1.3.
Permanecendo irresignada, a Ré pede a presente revista, cujas alegações remata com o seguinte núcleo conclusivo: 1 - O Acórdão recorrido fez uma interpretação das normas aplicáveis que, no entender da recorrente não é correcta nem densificadora da justiça que aqui se impõe; 2 - No que concerne à peticionada compensação de créditos, nunca a recorrente deduziu qualquer pedido reconvencional, na medida em que não pretendeu obter do recorrido qualquer vantagem para além da mera extinção, por compensação, dos créditos contra si invocados; 3 - a reconduzir a excepção da compensação deduzida pela recorrente a um pedido reconvencional, o Acórdão violou os art.ºs 487º; 493º e 501º do C.P.C.; 4 - a decisão em crise considerou inaplicável o art.º 850º do C.C. aos créditos laborais por contrariar o art.º 38º nº1 da L.C.T., entendimento de que se discorda.
5 - na verdade, este último preceito apresenta apenas, como especificidade o facto de o início do prazo da prescrição aí previstos acorrer com a cessação da relação de trabalho e a circunstância de tal prazo ser de um ano (contado a partir dessa data), pelo que a tal prazo prescricional se aplicará o restante regime geral da prescrição, para além de estar sujeito, à articulação com outros institutos que pressuponham a verificação da prescrição; 6 - a aplicação do referido art.º 850º não contraria o art.º 38º nº1 da L.C.T. pois que aquele se move num quadro de créditos já prescritos, o que por si só dependerá sempre, no domínio laboral, da eficaz e válida aplicação do dito art.º 38º, num momento necessariamente prévio ao da invocação do preceito civil; 7 - Se os créditos se tornaram comparáveis quando cessou o contrato de trabalho em Fevereiro de 1998 em Abril de 1999 (quando foi emitida a declaração de compensação de créditos pela ora recorrente na sua contestação), os créditos da ora recorrente encontravam-se já prescritos, o que, por si só, não poderá impedir a sua compensação nos termos do art.º 850º; 8 - a invocação da compensação de créditos, nos termos deste último, preceito, poderá ser arguida tanto pela entidade patronal como pelo trabalhador, beneficiando ambos de um tratamento idêntico à luz da lei, pelo que não se vislumbra em que medida a interpretação sustentada "seria ir contra o princípio da igualdade das partes", como se afirma no Acórdão; 9 - violado ficou, assim o citado art.º 858º; 10 - relativamente à existência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, não se pode considerar que pela circular emitida pela recorrente aos seus clientes tenham sido cometidas quaisquer ofensas à honra ou dignidade do recorrido, nos termos do art.º 35º nº1 al. F) da L.C.C.T.; 11 - na verdade, o recorrido não invocou quaisquer outros factos praticados pela recorrente para além do envio da dita circular, nem invocou mais nenhum outro facto circunstancial relevante para a ponderação da procedência do motivo justificativo que suportou a rescisão do contrato de trabalho; 12 - a recorrente, apenas a título de mera suspeita, imputou ao recorrido um possível envolvimento e favorecimento de um concorrente da Empresa-A, pelo que tal, no contexto que ocorreu, não se afigura como suficientemente grave para justificar a rescisão do contrato de trabalho; 13 - a mera suspeita apenas representa a incerteza ou dúvida relativas à continuidade de um vínculo duradouro (como o é o laboral), e não um prenúncio de absoluta e violenta ruptura, de crise contratual que indicie a imediata impossibilidade da sua manutenção; 14 - não pode merecer qualquer censura a posição adoptada pela recorrente, que apenas procurou salvaguardar a sua clientela perante a possibilidade de a ver desviada ou interceptada por concorrentes, como de facto ocorreu com o cliente "CC", perante uma actuação de alguns seus colaboradores (o recorrido e o comandante DD) que apresentava contornos pouco nítidos e suspeitos; 15 - Seria expectável que o recorrido, enquanto Director Geral da recorrente, diligenciasse no sentido de clarificar a sua posição profissional e pessoal e que colaborasse na clarificação de um assunto que afectou severamente a surpresa, em estrito respeito pelos princípios da boa fé e da confiança, que marcadamente determinam a relação jurídica de trabalho; 16 - o recorrido não deveria ter deixado de comparecer ao serviço, o que apenas poderá ser interpretado como uma clara desconsideração e desrespeito pelo exercício das suas funções e pela recorrente, enquanto entidade patronal; 17 - a conduta da recorrente não constitui um ilícito criminalmente punível, nomeadamente porque carece do elemento subjectivo da infracção, não existindo qualquer circunstância de facto que permita concluir que a recorrente pretendeu, com o seu comportamento, ofender a honra ou consideração do recorrido, ou sequer previsse essa ofensa de modo a que a mesma lhe pudesse ser imputada dolosamente; 18 - a conduta da recorrente não poderá ser refutada como culposa, do mesmo modo que não se poderá considerar como não ilidida a presunção constante do art.º 799º do C.C.; 19 - não se poderá deixar de discordar que o Acórdão refere o seu entendimento quanto à justa causa com o argumento de que a recorrente nunca chegou a instaurar contra o A. qualquer processo disciplinar, pois entretanto verificou-se o término da relação laboral, o que sempre tornaria inútil tal procedimento; 20 - ao invés, deveria o Acórdão retirar as devidas ilações do facto de o recorrido não ter actuado criminalmente contra a recorrente com base numa alegada ofensa à sua honra ou consideração e de o Comandante DD - igualmente visado na carta circular - não ter sequer demandado a recorrente com vista a obter créditos laborais inequívocos, decorrentes da cessação do seu contrato de trabalho; 21 - a pretensa lesão da honra do recorrido não passou, de facto, de uma imputação de suspeitas que se justificava pela necessidade imperiosa de salvaguardar os interesses da recorrente; 22 - Sempre se deverá considerar que a conduta da recorrente não se afigura punível, de harmonia com o disposto no art.º 180º nº2 al. B) (última parte) do C. Penal por resultar demonstrado que esta tinha fundamento sério para em boa fé, refutar como verdadeira a referida imputação, sob a forma de suspeita de "envolvimento e favorecimento de um concorrente do Empresa-A", como claramente resulta da simples leitura dos factos mais relevantes que ficaram provados e, particularmente, da ponderação da sucessão no tempo dos acontecimentos relacionados com a perda do cliente e rescisão dos contratos de trabalho pelo recorrido e C.te DD, pelo que sempre a decisão em crise violou os art.ºs 35º e 36º da L.C.T.; 23- o recorrido, em 5/2/98, rescindiu o contrato de trabalho com a recorrente, nos termos do art.º 38º da L.C.T.; no dia 25/2/98 enviou-lhe uma...
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...n.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil de 1961; v.g., STJ, 02.7.1974, BMJ 239, pág. 120; STJ, 24.5.2006, internet, dgsi-itij, processo nº 05S369; para uma análise sintética desta controvérsia, cfr., v.g., Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, Almedina, páginas 1106 a ......
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...pedido por aquela indicado.” Neste sentido, vejam-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2006, proferido no processo n.º 05S369, e o Acórdão da Relação de Guimarães de 31 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 129733/18.7YIPRT-A.G1 Em suma, por um lado, o aument......
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