Acórdão nº 06A859 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2006
Magistrado Responsável | URBANO DIAS |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - "AA" e marido BB, e CC e esposa DD intentaram, no tribunal judicial de V. Franca de Xira, acção ordinária contra EE e esposa FF, pedindo que fosse declarada a inexistência de uma dívida e, consequentemente, a nulidade da correspondente declaração prestada por GG perante os RR., através de escritura pública em que foram intervenientes e, em consequência, que seja ordenado o cancelamento dos registos hipotecários efectuados a favor dos RR. sobre os prédios que identificam.
Os RR. contestaram, afirmando a existência da dívida no valor de 20.000.000$00 confessada pela dita GG, e defendendo a improcedência da acção.
Após julgamento, a acção foi julgada improcedente.
Com esta decisão não se conformaram os AA. que apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem êxito.
Novamente inconformados, os AA. recorreram agora para este Supremo Tribunal, pedindo a consagração da sua pretensão.
Para o efeito, apresentaram oportunamente as suas alegações que concluíram do seguinte modo: - Atenta a situação concreta da GG e a actuação desenvolvida pêlos RR., ocorre a situação de usura prevista no art" 282° CC; - Apesar da confissão de dívida resultante da mencionada escritura, tal dívida jamais existiu - cfr. declarado provado no ponto 12 e evidenciado pela Exmª Desembargadora que votou vencida; - A promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida criam apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extra-negocial, sendo esta a verdadeira fonte da obrigação (Como esclarecidamente afirma o Exº Prof. A. Varela, "Se o declarante ou seus sucessores alegarem e provarem que semelhante relação não existe (porque o negócio que a promessa de prestação ou o reconhecimento de dívida pressupõem não chegou a constituir-se, porque é nulo ou foi anulado, porque caducou ou os seus efeitos se extinguiram entretanto... a obrigação cai, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da dívida."; 4. "A proposta e a aceitação são negócios unilaterais que não se confundem, mas que, reunidas, formam contrato".
Apesar do ponto de partida - tanto no caso do testamento como no caso da escritura e até mesmo da procuração - se basear em negócio unilateral, o que temos verdadeiramente são contratos, em que, de um lado, a GG declara o R. EE como seu único e universal herdeiro (no caso do testamento), declara-se devedora duma determinada quantia aos RR. (escritura) e institui o R. marido como seu procurador universal e com plenos poderes (procuração); e, de outro lado, existe a promessa feita pelos RR. de cuidar e tratar da GG e de seu companheiro; - Tais promessas não foram cumpridas, já que os RR. sempre abandonaram a GG, quer após o testamento, quer depois desta ter outorgado a escritura de confissão de dívida; - Mesmo que se entendesse ter a dívida inicialmente existido, não pode ser-lhe dada cobertura legal em virtude do inadimplemento dos RR., sendo este de conhecimento oficioso (cfr. Acórdão do STJ de 2/5/85, de foi relator o Exm° Conselheiro Campos Costa - BMJ 347, ano de 1985, pgs. 375; e Base de Dados Jurídica - Proc. 072678, N° Convenc. JSTJ00003736, de que se retira, com a devida vénia, o seguinte extracto: "O juiz não modifica a causa de pedir invocada na petição inicial se aprecia e decide a acção com base nos mesmos factos concretos reveladores do inadimplemento culposo, alegados pelo autor, apesar de este ter pressuposto a validade da promessa...); - Tendo-se dado como provado que, com o testamento feito pela GG, pretendera» as partes saldar a divida antiga (de 250 contos) e pagar todos os serviços prestados e a prestar no futuro - cfr. 28. de factos provados - deixa de ter validade o acordo que mais tarde fizeram através da escritura de confissão de divida (confessar uma dívida que não existe é obra!!!) sobre o mesmo objecto, já que tal corresponderia ao "pagamento" feito duas vezes do mesmo serviço (Tal conclusão é também evidenciada - por outras palavras - no voto de vencida da Exª Desembargadora); - O acórdão de que se recorre violou o preceituado nos arts. 282°, 428º e 458° do C. Civil.
Os recorridos, por sua vez, defenderam a manutenção do julgado posto em crise.
II - As instâncias deram como provados os seguintes factos: 1 - Por escritura pública lavrada no 2° Cartório Notarial de Sintra, datada de 22.JUL.99, compareceram HH, II e JJ, os quais declararam ter falecido GG, no estado de solteira, no dia 07.ABR.99, que a mesma não deixou descendentes nem ascendentes, tendo feito testamento público outorgado em quatro de Agosto de 1971, no qual instituiu um legado e instituiu único herdeiro do remanescente UU e no caso deste não querer ou não poder aceitar a herança ser substituído pelos seus sobrinhos, filhos legítimos do irmão da testadora KK, que herdarão em partes iguais; 2 - UU faleceu em 04.MAI.93, sendo filhos de KK, AA e CC; 3 - No testamento de GG, junto a fls. 20 e ss., declara-se o referido em 1; 4- Por escritura pública datada de 30.JUL.93, lavrada na casa de morada de GG, perante LL, Notária do Primeiro Cartório Notarial de Freguesia-A, EE e mulher MM, declarou GG "que, pela presente escritura confessa-se devedora aos segundos outorgantes (EE e FF) da quantia de vinte milhões de...
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