Acórdão nº 6463/07.6 TDLSB. L1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA Sumário : Fixar jurisprudência, no sentido de que, a exigência do montante mínimo de 7500 euros, de que o nº 1 do art. 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias - RGIT (aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, e alterado, além do mais, pelo art. 113º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no art. 107º nº 1 do mesmo diploma Decisão Texto Integral: O Ministério Público (MºPº) junto do Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do artº 437° nº 1 e 4 do Código de Processo Penal (CPP), veio interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com o fundamento que se segue: No Pº 6463/07.6 TDLSB. L1 da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão recorrido), foi proferido a 15/7/2009, acórdão, com trânsito em julgado a 3/9/2009, em que se decidiu que o limite de 7500 euros, estabelecido no nº 1 do art. 105° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na redacção dada pela Lei nº 64-A/2009, de 31 de Dezembro, também devia ser tido em conta, estando em causa o crime de abuso de confiança contra a segurança social.

Exactamente sobre esta questão de direito, e no domínio da mesma legislação, já se havia pronunciado o acórdão de 4 de Março de 2009, proferido no Pº 257/03.5TAVIS.Cl, da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra (indicado como acórdão fundamento), que defendeu a solução oposta. Ou seja, a de que a alteração ao art. 105º nº 1 do RGIT introduzida pelo art. 113º da Lei 64-A/2008, de 31.12, que introduziu aquele limite de € 7.500, não abrangia o crime de abuso de confiança contra a segurança social, o qual mantinha portanto a sua tipificação autónoma e integral na previsão do art. 107º do RGIT.

A - O RECURSO No instrumento de interposição de recurso, o Mº Pº apresentou as conclusões que se transcrevem: “1 - No Acórdão recorrido a questão jurídica que vinha colocada foi decidida no sentido de que tem aplicação em sede de crime de abuso de confiança contra a segurança social o limite de 7.500 Euros estabelecido no nº 1 do art. 105° do RGIT, na redacção dada pela Lei nº 64-A/2009, de 31 de Dezembro.

2 - Sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação foi proferido a 4 de Março de 2009, no Processo nº 257/03.5TAVIS.Cl, da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, o Acórdão supra identificado no art. 4.°, que consagrou solução oposta: A alteração ao art. 105º nº 1 do RGIT introduzida pelo art. 113º da Lei 64-A/2008, de 31.12, não abrange o crime de abuso de confiança contra a segurança social, que mantém a sua tipificação autónoma e integral na previsão do art. 107º do RGIT.

3 - Tendo ambos os Acórdãos transitado em julgado, e não sendo nenhum deles, já, susceptível de recurso ordinário, impõe-se a fixação da jurisprudência; sendo nosso parecer que, no acolhimento da solução consagrada no Acórdão de 4 de Março de 2009, do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Processo nº 257/03.5TAVIS.Cl, será de decidir neste último sentido.” O Instituto da Segurança Social I.P., demandante civil no processo em que se lavrou o acórdão recorrido, veio apresentar resposta, corroborando o pedido formulado pelo Mº Pº, e concluindo: “1 – No que respeita ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, nos dois acórdãos, transitados em julgado e objecto do recurso do Ministério Público, proferiram-se julgados expressos, não implícitos, quanto à interpretação e aplicação resultante do nº 1, do artº 105º, do RGIT, na redacção dada pela lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

2 – Porém tais julgados divergentes, estribam-se em termos de direito, sobre uma base factual pontualmente idêntica, no domínio da mesma legislação, - não se tratando de um caso de irrelevante oposição entre os fundamentos e a decisão.

3 – Entendemos por isso que, estão reunidos todos os pressupostos, e condicionalismos para que seja ordenada a admissibilidade e o respectivo prosseguimento do recurso.” Procedeu-se a exame preliminar, o recurso foi considerado admissível, e foi ordenada a subida dos autos a este Supremo Tribunal, onde o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer “no sentido de que deverá julgar-se verificada a existência de oposição entre os julgados, prosseguindo os autos os seus termos, em conformidade com o disposto nos artigos 440º nºs 3 e 4 e 441º do C. P. Penal”.

Procedeu-se à conferência a que alude o artigo 441.º do Código de Processo Penal, na sequência do que se lavrou acórdão, o qual terminou estipulando: “Nestes termos, têm-se por verificados os indicados pressupostos de prosseguimento do presente recurso, pelo que cumpre ordenar o mesmo, nos termos do art. 441º nº 1 do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, julga-se verificada oposição de julgados quanto aos acórdãos proferidos no âmbito dos recursos referidos e, em consequência, ordena-se o prosseguimento dos presentes autos para fixação de jurisprudência.” Teve então lugar a apresentação de alegações, aliás doutas, por parte do Mº Pº, ao abrigo do art. 442º nº 1 do CPP. Formulou a final as conclusões que se transcrevem: “1. A Lei nº 64-A/2008, de 31-12, manteve intacta a redacção do artigo 107° do RGIT (crime de abuso de confiança contra a segurança social), tendo o legislador silenciado as razões da descriminalização do crime p. e p. no artigo 105° do RGIT (abuso de confiança fiscal), na redacção do artigo 113° daquela Lei, quando estão em causa prestações de valor igual ou inferior a € 7500.

  1. A remissão operada pelo nº 1 do artigo 107° para o nº 1 e para o nº 5 do artigo 105° do RGIT circunscreve-se exclusivamente à pena aplicável, constando todos os elementos subjectivos e objectivos do crime de abuso de confiança à segurança social desse preceito.

  2. Não obstante algumas semelhanças, os crimes previstos nos artigos 105° e 107° do RGIT são autónomos, como sempre o foram, autonomia essa que não é posta em causa pelo facto de os crimes contra a Segurança Social haverem sido integrados no mesmo diploma dos crimes fiscais, a partir do Dec-Lei nº 140/95, de 14-07.

  3. O reforço da autonomia do regime punitivo das infracções contra a segurança social funda-se e justifica-se na necessidade premente da defesa da sustentabilidade da Segurança Social, fortemente ameaçada em Portugal, como na generalidade dos países europeus.

  4. Os tipos penais de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança contra a segurança social protegem bens jurídicos que, embora próximos, não se confundem, sendo precisamente essa distinção que justificou a opção do legislador pela autonomização dos crimes de abuso de confiança contra a segurança social.

  5. A descriminalização do crime de abuso de confiança contra a segurança social, no caso de não entrega de contribuições de valor iguais ou inferior a €7500, viria ao arrepio e seria mesmo paradoxalmente contrária a toda a orientação legislativa seguida nos últimos anos, e, designadamente, a partir de 2001, com vista a assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de Segurança Social.

  6. Atendendo a que o tecido empresarial é constituído essencialmente por pequenas e médias empresas, que têm ao seu serviço menos de 10 trabalhadores (95,4% das empresas, em 2007), a tese da descriminalização do crime de abuso de confiança contra a segurança social, nos casos indicados, conduziria a que fosse abrangida por essa descriminalização a larga maioria das contribuições em dívida à Segurança Social, afectando-se assim gravemente o sistema de Segurança Social e os interesses fundamentais que o mesmo visa proteger, no cumprimento da norma programática do artigo 63° nº 3 da Constituição.

  7. Ao descriminalizar o crime de abuso de confiança fiscal, quando está em causa prestação de valor igual ou inferior a €7500, o legislador sancionou essa conduta como contra-ordenação, ficando assim ressalvada a luta contra a evasão fiscal - cf. artigo 114° nº 5, a) do RGIT, na redacção dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31-12, medida essa que não se encontrava, nem foi prevista, no caso de falta de entrega das contribuições devidas à Segurança Social, 9. Assim, na tese da descriminalização, ficaria totalmente impune a falta de entrega à Segurança Social de contribuições de valor igual ou inferior a €7500, o que se mostraria em flagrante contradição com as medidas legislativas de combate à fraude e às dívidas à Segurança Social e, designadamente, com o reforço de criminalização dos comportamentos de evasão contributiva, nos últimos anos, por forma a que a Segurança Social continue a realizar um dos mais elementares direitos à sobrevivência e à existência condigna, constitucionalmente garantidos.

  8. O crime de abuso de confiança contra a segurança social, como o próprio crime de abuso de confiança fiscal, não constitui, na essência, crime contra o património, estando aí em causa a lesão do interesse público que lhe está subjacente e que transcende o valor da prestação a entregar, para se situar no regular funcionamento do sistema e nos interesses que deve satisfazer.

  9. Do descuido e da má técnica legislativa utilizada, ao manter-se a remissão do nº 2 do artigo 107° para o nº 6 do artigo 106° do RGIT, revogado pelo artigo 115° da Lei nº 64-A/2008, de 31-12, não podem extrair-se argumentos no sentido da descriminalização, quando estão em causa contribuições à Segurança Social de valor inferior a €7500, apontando antes a não eliminação dessa remissão no sentido de que o legislador teve a intenção de manter intacta a configuração do crime de abuso de confiança contra a segurança social.

  10. Sendo distintos os bens jurídicos protegidos pelos crimes de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança contra a segurança social, tal como são diferentes a natureza e as finalidades das prestações e...

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