Acórdão nº 103/2002.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução20 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre , é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

  1. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional ( 10% de IPP genérica) - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido.

  2. O juízo de equidade das instâncias, concretizador do montante a arbitrar a título de dano biológico, assente numa ponderação , prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA intentou acção de condenação, na forma ordinária, contra BB Seguros, S.A., pedindo a respectiva condenação no ressarcimento dos danos que lhe foram causados por atropelamento, imputável ao condutor de veículo segurado na R., peticionando os valores de, respectivamente, €25.079,22, a título de danos patrimoniais, e de €75.000,00, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais.

    No termo da tramitação do processo na 1ª instância, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se a R. seguradora a pagar à lesada os montantes de €30.000 a título de danos não patrimoniais, e de €2.181,41 a título de danos patrimoniais; arbitrou-se ainda à lesada o montante de €5.000 como compensação dos danos patrimoniais futuros associados ao dano biológico sofrido pela A.: na verdade, esta – com 53 anos de idade à data do acidente - ficou afectada por uma incapacidade genérica permanente parcial de 10%, compatível com o exercício da actividade de gerente comercial que exercia à data do acidente, entendendo a sentença que cumpria ressarcir a afectação ou limitação funcional decorrente das gravosas lesões sofridas, mesmo que esta não tivesse implicado uma concreta perda dos rendimentos do trabalho, implicando, porém, um esforço suplementar e acrescida penosidade para continuar a exercer as suas actividades.

    A A. apelou desta decisão, na parte em que avaliou o dano patrimonial futuro nos referidos €5.000, entendendo que a indemnização adequada nunca poderia ser de valor inferior a €15.000.

    A Relação julgou a apelação procedente, arbitrando à lesada o referido valor peticionado de €15.000, por entender que a limitação à sua capacidade produtiva justificava adequado ressarcimento, computado equitativamente naquele valor, afirmando: O caso sub judice não se traduz em perda efectiva de rendimento de trabalho, mas deverá ser analisado na perspectiva de um. Dano biológico, de natureza meramente funcional e susceptível de indemnização patrimonial, determinada única e exclusivamente segundo o juízo temperador da equidade e considerando as especificidades do caso em concreto.

    A limitação da condição física, que a incapacidade permanente parcial sempre envolve ou acarreta, determina necessariamente, até pelas suas consequências psicológicas, diminuição da capacidade laboral genérica e dos níveis de desempenho exigíveis, podendo, muitas vezes, colocar o lesado em posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho. Como tal, afectada a integridade psicossomática plena, as sequelas permanentes que integram": o dano corporal importam, normalmente, diminuição, pelo menos, da capacidade geral de ganho do lesado, e isto, mesmo que não seja perspectivada de imediato uma diminuição dos seus proventos futuros, pois, o dano corporal ou biológico importa, de per si, um prejuízo indemnizável, consoante os arts 564° n°2 e 566° n°3 do CC, a título de dano patrimonial futuro, independentemente da perda efectiva de rendimento (cfr. Ac. do STJ de 12-01-2006, Proc n° 05B3548, acessível em www.dgsi.pt.).

    A indemnização por danos futuros resultantes de incapacidade física do lesado causada por acidente de viação, independentemente da perda efectiva de rendimento, não deve englobar-se nos danos não patrimoniais que a própria incapacidade possa gerar (desgosto, angústia, perda da alegria de viver).

    Tratando-se de um dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, sem implicar perda ou diminuição da remuneração, mas apenas um esforço acrescido para se manterem os mesmos níveis de ganho, é manifesta a dificuldade de cálculo da respectiva indemnização, pelo que, é fundamental a ampla utilização de juízos de equidade.

    "A partir dos pertinentes elementos de facto apurados, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso. E apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo no confronto da referida previsibilidade, no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade. Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental" - Ac do STJ de 09-10- 2008, Proc n° 08B2686, em www.dgsi.pt.).

    No caso dos autos, a A. tinha 53 anos de idade, à data do acidente (nos factos provados na sentença não consta a idade da A., como devia constar, se bem que, relativamente aos danos não patrimoniais, se tenha considerado a idade da A.; mas, na perícia de avaliação do dano corporal elaborada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, consta que a apelante nasceu em 31-10-1947), sendo previsível, considerando um quadro normal de vida e saúde, que exercesse a sua profissão de gerente comercial, pelo menos, até aos 65 anos, sendo o seu vencimento mensal o correspondente ao ordenado mínimo. Por outro lado, é portadora de sequelas que lhe conferem uma incapacidade genérica permanente parcial de 10% _a qual, embora sendo compatível com aquela sua actividade profissional, lhe exige esforços suplementares para o seu desempenho.

    Convirá aqui esclarecer-se que não pode ser considerada a relevância da lesão apenas com referência a vida activa provável do lesado; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida. E que a...

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